Pindobuçu
Com a morte de Cunhambebe, quem ocupa o lugar de influência no período de maior presença francesa na Guanabara é um morubixaba de nome Pindobuçu. Ao que parece, ele já era um pouco mais velho que os demais e, por isso, era respeitado por todos os outros chefes. A gerontocracia, ou seja, o poder exercido pelos anciãos, era uma característica da sociedade tupinambá.
O seu nome quer dizer “Palmeira Grande”, Pindo+(b)usu), ou como Anchieta escreveu, “a grande folha de palma”. Essencial para a construção das malocas, bem como para outras utilidades, a palmeira era uma árvore estimada pelos indígenas e de grande importância para a vida dos tupis. Tal nome demonstrava poder, impunha respeito e sabedoria, características típicas dos caciques anciãos e determinantes para o seu status de liderança.
Apenas Pindobuçu e Cunhambebe são citados pelo frade francês André Thevet em seus escritos sobre a experiência da França Antártica, de onde se infere suas importâncias. Thevet deixa transparecer que Pindobuçu era um importante aliado, braço direito do capitão francês Nicolas Villegagnon. Ele teria sido um dos principais líderes que ajudaram no estabelecimento dos colonos franceses com mantimentos e provisões, além de ter cedido homens para a construção do Forte Coligny.
A epidemia de febre que se abateu sobre a Baía da Guanabara, após a chegada de centenas de franceses em 1555, também quase vitimou Pindobuçu. Ao saberem que o aliado estava doente, Villegagnon e Thevet foram visitá-lo em sua taba: “Tendo ido visitar outro chefe indígena chamado Pindahoufou e encontrando-o em sua rede acometido de uma febre rebelde”. O cacique perguntou ao frade francês sobre a doença e os mistérios de Deus. Pindobuçu queria saber o que acontecia com a alma dos maires (franceses) depois da morte, no que Thevet responde que iam para o lado de Tupã. A resposta de Thevet atribui a Tupã o sentido de Deus. Mas, como se sabe, para os tupinambás, Tupã era um espírito da natureza que regia a chuva e o trovão. Resignado, Pindobuçu pede ao francês que interceda por sua vida: “Vem cá: ouvi tuas belas palavras acerca de Tupã. Tu dizes que ele pode fazer qualquer coisa. Fala com ele por mim. Pede-lhe que me cure. Se eu sarar, darei a ti muitos presentes maravilhosos. Usarei roupas, deixarei a barba crescer e honrarei a Tupã, do mesmo modo que tu”.
Talvez a presença de franceses a seu lado naquele momento tenha ajudado de alguma forma Pindobuçu a enfrentar a doença. É possível que os franceses tenham cuidado do líder indígena, pois, ainda que tivesse mais idade, ele resistiu e se restabeleceu após alguns dias. O “Senhor de Villegagnon resolveu batizá-lo e conservá-lo ali com ele”. Ou seja, no forte, e em posição de destaque entre os caciques do Rio de Janeiro, que conviviam com os normandos.
Por essa informação de Thevet, é possível crer que Pindobuçu e seu grupo de guerreiros tenham participado ativamente dos acontecimentos da época. Desde a expulsão dos maracajás da Ilha do Governador, onde Pindobuçu e seu filho Paranapucu aparecem como referência para novas aldeias nas listas francesas, até a defesa do forte francês contra as tropas portuguesas de Mem de Sá em 1560. Após esses anos, os homens de Pindobuçu ainda teriam participado dos ataques contra as capitanias do Espírito Santo, de São Vicente e, em especial, contra a vila de Piratininga, em 1562.
Em relatos sobre os acordos de paz feitos com os tupinambás em Iperoig (hoje Ubatuba) no ano de 1563, o jesuíta José de Anchieta fornece notícias mais sólidas desse morubixaba carioca. O primeiro a chegar no local onde estavam os padres foi justamente Pindobuçu, acompanhado por uma comitiva de duas canoas vindas do Rio de Janeiro. Em uma delas, “vinha um grande principal da mesma aldeia em que estávamos, que chamavam Pindobuçú”. O primeiro morubixaba a chegar em Iperoig para conversar com os padres foi Pindoba Grande, braço direito dos franceses de Villegagnon, vivo e ainda em posição de liderança entre os tupinambás tanto da atual Costa Verde quando da cidade do Rio de Janeiro.
Além de manter uma taba no interior da Guanabara e outra de proeminência na antiga ilha dos maracajás, Pindobuçu comandava ações de outras aldeias, certamente de parentes, perto de Ubatuba, na fronteira com os inimigos portugueses. Uma pista que leva à localização original de sua taba no Rio de Janeiro antes das conquistas territoriais nas batalhas de Paranapuã está no fato de um antigo peabiru tupinambá, que percorria desde a costa de Bonsucesso às tabas do interior da terra, como Sapopema e Takuarusutyba, ter permanecido por algumas décadas com a toponímia portuguesa de antigo “caminho de Pindobuçu ou Pindelo”.
Consciente do momento que viviam depois da destruição do Forte Cologny, Pindobuçu intuiu que aquela era uma oportunidade de tentar se entender com os portugueses. Após curta conversa, externou aos padres “grande prazer das pazes, dizendo que muito tempo havia que as desejava, e que queria durassem para sempre”. A partir desse momento, Pindobuçu passou a defender os jesuítas de outros maiorais que apareciam com o intuito de assassiná-los.
Com muito custo, impondo seu status de morubixaba-uasú, Pindoba Grande resguardou a vida dos padres e acabou se transformando no maior artífice para que Aimberê fosse convencido a aceitar a “trégua” que aqueles religiosos propunham em nome dos portugueses.
Pindobuçu tratava padre Anchieta carinhosamente como “filho José” e lhe prometia que “ainda que os teus matem todos os meus parentes, que estão em tua terra, eu não hei de consentir que te matem porque bem sei que falas a verdade”. Tudo para que no fim pedisse a Anchieta que se lembrasse de seu nome durante as orações a Tupã: “Bem vês como sempre te defendo e falo por ti, por isso olhe Deus por mim e dê-me longa vida.”
De Pindobuçu não tivemos mais notícias depois que ele aceitou as pazes com os jesuítas em Ubatuba em 1563. Por sua vez, sabe-se que Paranapucu, seu primogênito, continuou a guerra. É com o nome de seu sucessor que a última batalha de resistência dos tupinambás na Guanabara ficou marcada.
As tropas indígenas e portuguesas levaram três dias para derrubar as paliçadas da chamada “Fortaleza de Paranapucu”, protegida por grandes cercas e “mais de mil homens de guerra e muita artilharia”. Quando finalmente as cercas foram postas abaixo pelos tiros de canhão, as forças lusas invadiram “com muito trabalho e maior risco e mortes de alguns brancos”. O governador-geral fez questão de salientar que os tupinambás “se defenderam esforçadamente”. O padre Simão de Vasconcellos relata que, depois de rompidas as cercas de Paranapucu, os indígenas ali tinham se recolhido em uma “casa forte entrincheirada e valada”, e foram “postos em cerco”. Acabaram “apertados de maneira” que todos decidiram se entregar com “partida da vida, mas não da liberdade”.
A capitulação de Pindobuçu e a derrota de Paranapucu foram decisivas para a conquista portuguesa da Guanabara.