Trabalhadores do Rio – os excluídos da festa
As imagens que circularam nos jornais da cidade durante a semana do carnaval de 1919, à primeira vista, parecem representar uma festa democrática e harmônica em que, cada qual à sua maneira, todos festejam.
Mas, será que o carnaval de 1919 foi mesmo tão democrático? Não ocorreram conflitos e tensões? Ninguém foi excluído dessa festa?
De acordo com alguns jornais da época, o “carnaval da gripe” – como foi chamado o de 1919 – passou longe de ser harmônico ou igualitário. O aumento da jornada de trabalho durante os 4 dias de folia, sem modificação nos salários, indignaram os trabalhadores ferroviários e do comércio, que chegaram a escrever para os periódicos na esperança de conseguirem repercutir o assunto para toda a cidade. A edição de 3 de março de 1919 do jornal Correio da Manhã traz, em meio à manchete do efusivo carnaval, uma pequena coluna, destacando uma carta de indignação escrita pelos trabalhadores ferroviários da Central do Brasil, obrigados a trabalhar durante os dias de festa. Pela notícia, intitulada de “Os condutores da Central e o Carnaval”, fica claro que os condutores de trem não estavam nada satisfeitos por terem de transportar os foliões que cruzavam o subúrbio da cidade para brincar no Centro. Os maquinistas estavam indignados com a escala de trabalho para os dias de festa: o aumento considerável da circulação de trens impactava diretamente no horário de funcionamento das estações e, consequentemente, nas horas de trabalho dos condutores que operavam na linha férrea.
Na semana do carnaval, a jornada de trabalho passava de 8 para 12 horas, o que estimulava a tensão entre os maquinistas e seus superiores, que organizavam a escala. Os que haviam sido escalados estavam indignados com a forma com que a escala havia sido feita.
A esperança dos maquinistas ao escrever a carta era que, através do jornal, sua indignação chegasse aos superiores da linha férrea, e o horário fosse refeito de forma mais justa, sem que ninguém fosse explorado durante a festa.
A edição de 1º de março da Gazeta de Notícias, trazia uma denúncia sobre a exploração que os trabalhadores do comércio sofreriam durante a semana do carnaval, sobretudo nos bares, padarias e restaurantes da cidade. Um decreto do prefeito Paulo de Frontin autorizava, mesmo contra a lei, que estabelecimentos comerciais da cidade funcionassem até 1h da manhã durante os dias de folia – inclusive no domingo, quando esses estabelecimentos não tinham permissão para funcionar.
O jornal apelava para que o prefeito reconsiderasse a decisão e pusesse o bem-estar dos trabalhadores – que chegariam a trabalhar por 14 horas – acima dos interesses econômicos da cidade. Vale destacar que durante a epidemia da Gripe Espanhola, o comércio tinha sido duramente atingido e boa parte das lojas do Rio ficaram fechadas durante meses. O carnaval, assim, foi visto como um momento de reabertura, e os donos dos comércios viam nisso uma forma de superar a crise dos meses anteriores. Nos dois cenários, seja no momento da epidemia ou no da reabertura econômica do carnaval, os trabalhadores cariocas foram os que mais sofreram.