Taquara

Abaixo, à direita, a área da taba de Takûarusutyba

O leitor que pesquisar sobre a origem do nome de Taquara, bairro central da região da baixada de Jacarepaguá, não se surpreenda com o que irá encontrar. Em determinadas fontes, há uma versão de que o nome do bairro tem origem na percepção que os primeiros colonos europeus tiveram da natureza local, onde abundavam árvores de “taquara” – uma espécie de bambu. Nessa versão, o nome teria origem europeia, e não indígena. Trata-se de um modus operandi da nossa historiografia colonial, muito parecido com o que acontece a outras denominações, originalmente indígenas, não apenas do Rio de Janeiro, mas também do Brasil. Apesar da grande quantidade de palavras de origem indígena, essa dimensão desaparece para dar lugar a um “batismo colonial”. Ou seja, na falta de maior investigação sobre a ancestralidade dos lugares, parte-se para uma hipótese inventada a partir da chegada europeia. 

O termo “carioca” talvez seja o exemplo mais eloquente desse fenômeno. Tanto fontes históricas francesas como portuguesas mostram que o nome pertencia a uma importante taba tupinambá (karióca), mas até hoje muitos afirmam que “carioca” significa “casa do homem branco” – o que também etimologicamente é equivocado. Tal apropriação ocorreu da mesma forma com o bairro da Taquara, um dos mais evidentes casos de tabas tupinambás cujos nomes atravessaram séculos.

No relato de Hans Staden, alemão que sobreviveu após um longo período prisioneiro de tupinambás da Guanabara, o nome desta aldeia aparece quando ele descreve ter sido capturado em Ubatuba para ser entregue no Rio de Janeiro: “Levaram-me para o lugar em que queriam fazer presente de mim, até um ponto chamado de tackwara sutibi.”. Staden permanece na “Taquara” sob a proteção do morubixaba Abati-poçanga – cujo nome significa “poção ou remédio de milho”. As palavras de Staden não deixam dúvidas e confirmam, portanto, a presença dessa aldeia nas terras do interior da Baía de Guanabara antes mesmo do período apontado pelo francês Jean de Léry. 

Colono da França Antártica de Villegagnon, o protestante Léry organizou duas listagens de nomes das principais tabas da Guanabara, agrupando-as pela localização em relação baía. São ao todo 36 comunidades listadas em seu relato. Além das tabas à esquerda de quem entra pelo rio “de Geneure” e daquelas que estavam “sitas à margem direita do referido rio”, ele enumera ainda as “maiores aldeias, dentro da terra, tanto de um, como do outro lado do rio”, no caso a Baía de Guanabara. A primeira grande aldeia citada “dentro da terra”, no interior da costa ocidental da baía, é a taba escrita de Sacouarr-oussu-tuue, na grafia original.

Esse nome foi identificado por pesquisadores contemporâneos do tupi antigo justamente como a tradução de Takûar-usu-tyba na versão mais aceita dos fonemas que o francês tentava identificar. Isso foi possível ao se comparar todo o léxico apresentado em seus escritos com o que foi produzido depois pelos jesuítas, responsáveis por codificar a língua e os termos do tupi antigo falado na costa no Brasil nos anos 1500 para a forma escrita e, assim, poder aplicá-la na catequese. Além disso, o nome Taquoarusitiba é mencionado nas primeiras cartas de sesmarias como ponto demarcador da terra que ia sendo dividida.

Taquara da mata atlântica.

Em sua etimologia, o nome começa pelo termo takûara, um tipo de vegetação. Em usu, assim como os sufixos nas formas de uasú, guaçu, açú – tão comuns na língua portuguesa falada no Brasil e originário do tupi antigo –, significam a mesma coisa, “grande”, e nesse caso também, “grosso”. Existia mesmo outra palavra derivada da takûara comum, usada para se referir a um tipo de planta maior: o takûarusu, ou taquaruçu, um “taquaral grosso gigante” com colmos grandes e largos, ideais para a fabricação de cumbucas, vasos, copos, outros objetos e construções com boa madeira. Já tyba, aportuguesado como tuba ou tiba, foi apontado pelo jovem viajante francês com um estranho tuee, um sufixo que designa grande quantidade

Um complemento característico ao nome de outras aldeias tupinambás da época, como Arasatyba (Araçazeiro) e Ysypotyba (Cipoal), também localizadas no interior, só que do outro lado da baía. Era uma marca da abundância e da qualidade da flora local onde a aldeia habitava há centenas de anos e que originou seu nome.

Dessa forma, chegamos ao significado completo do nome dessa taba histórica do Rio de Janeiro, a aldeia do grande ajuntamento ou sítio dos Takûarusus; ou, em português, a aldeia do Taquaraçuzal. Um lugar onde existiam muitos e grandes taquarais grossos, fonte inesgotável de bambus para as mais diversas atividades tribais. A taba teria sido fincada ali justamente pelo local ser próximo da planta, tão importante para a sobrevivência da comunidade. As aldeias aliadas e solidárias aos clãs da “Taquara” também deviam ter permissão para beneficiar-se desses grandes bambus com o consentimento do morubixaba da principal taba da aldeia Takûarusutyba, a maior e mais importante de toda a baixada de Jacarepaguá.

É possível inferir isso também a partir dos relatos de Jean de Léry, que descreve a taba da Taquara como bem povoada e de grande importância, pois possuía mais de um mouribixaba. Além do já mencionado Abati-poçanga, é citado por Léry o nome de outro principal, Oyakã (ou Ouakã). Hans Staden também menciona em seus escritos o nome de outro chefe desta aldeia, pois foi na maloka de Sowarasú que os franceses foram procurá-lo ao chegarem a Takûarusutyba. Uma comunidade tupinambá com três grandes chefes maiorais que dispunham de bom número de companheiros de guerra em cada clã nos faz crer que Takûarusutyba era a maior aldeia dessa área, cujos domínios atravessavam as terras abaixo das serras que a circundavam, os atuais bairros do Pechincha, Tanque, Freguesia e Curicica, além das demais regiões da Barra da Tijuca, Vargem Grande e Vargem Pequena, banhadas pela lagoa de Jacarepaguá, a “enseada dos jacarés”, (îakaré, jacaré; , todo, completamente;  e kûá, enseada).

Os tupinambás ali viviam da grande fartura proporcionada pela bacia do Rio Grande e seus afluentes que desaguavam nas enormes lagoas que separavam aqueles baixios do mar. No encontro dessas lagoas com mar, onde hoje se encontra o canal da Barra da Tijuca, ocorriam piracemas de peixes. Também se aproveitavam de toda a serra da Pedra Branca, que os rodeava.

Sabe-se que, em 1569, isto é, apenas dois anos após a derrota dos tamoios do Rio de Janeiro para os portugueses, toda essa região já estava de posse do primeiro governador-geral, Salvador de Sá. Tal fato nos leva a crer que Takûarusutyba foi uma das comunidades que resistiram à chegada dos portugueses e, por isso, também foi uma das primeiras a ser ocupada. Ali, o então governador colocou para funcionar um dos mais antigos engenhos de açúcar da cidade, que ficou conhecido como o Engenho da Taquara, o que ajudou a perpetuar o nome da aldeia. 

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