Sons da repressão
Os primeiros sons detêm certa alegria. Registram a arte do encontro: cumprimentos, abraços, o estalar de beijos, o desenrolar das bandeiras e faixas, a organização de quem vai marchar lado a lado. Chegam os vendedores ambulantes, barulho de latas sendo abertas. Alguém puxa a primeira música de protesto, o primeiro hino, o primeiro grito político. A marcha começa: o arrastar de passos e a mistura de vozes. Nem sempre o que se canta no começo do grupo é o que está sendo entoado pelas últimas fileiras. O teor das cantorias, porém, é o mesmo. Reivindicam direitos básicos. Acusam desigualdades históricas. Vozes querendo ser ouvidas.
As nuances das ondas sonoras vão ganhando tensão. Começo de correria, gritos. Tudo se acalma novamente. Novo tumulto. Mais correria. Mais calmaria: o coro pode voltar a ser ouvido. De repente, o primeiro som de bomba. A correria então desata. Berros, pés apressados, “por ali!”, o pavor diante do cerco da polícia, o trotar dos cavalos anunciando que a repressão está por todo o lado. O espocar das balas de borracha se torna intenso, a paisagem está tomada pela neblina de gás, lançado pela polícia para dispersar o ato. Apelos cruzam o ar pedindo ajuda para as pessoas que passam mal, deitadas na calçada. Sons de desolação. Silêncio.