Os piores

Os deslizamentos de encosta no Rio de Janeiro têm sido responsáveis por algumas das maiores tragédias da cidade, especialmente nas áreas mais vulneráveis da cidade, como as favelas e bairros com ocupação autoconstruída e sem assistência do Estado. O documento da GEO Rio, intitulado “Os 50 Maiores Acidentes Geológico-Geotécnicos na Cidade do Rio de Janeiro”, descreve com detalhes os desastres mais significativos desde 1966, que envolvem não apenas a perda de vidas, mas também o impacto social e a falta de infraestrutura e planejamento urbano nas áreas de risco.

O primeiro e um dos mais marcantes deslizamentos relatados nessa coletânea, aconteceu em 1966, na Rua Rua Santo Amaro, no bairro de Santa Teresa, tendo ocorrido no dia 15 de janeiro de 1966, atingindo sete casas e vitimando de forma fatal 70 pessoas. Os eventos torrenciais, com chuvas concentradas em um curto espaço de tempo, transformaram o solo instável em uma verdadeira armadilha para as famílias que ali viviam. A encosta desabou em diversos pontos, atingindo as ruas e casas ao longo da base do morro. O saldo foi trágico: dezenas de pessoas perderam a vida, e a destruição foi imensa, deixando um legado de insegurança para os moradores. Este episódio evidenciou a vulnerabilidade das áreas de morros e a precariedade das condições de habitabilidade em várias regiões da cidade, provocando o poder público a desenhar políticas públicas para o problema costumaz da cidade.

Obra de estabilização após o escorregamento que provocou a morte de 70 pessoas em Santa Teresa em 1966.

No ano seguinte, perto dali a Rua Belizário Távora despencou junto com o talude da encosta em outro evento chuvoso marcante. Esse acidente provocou a destruição de uma casa e dois prédios, causando 119 mortes. A sequência de acidentes foi muito contundente para a cidade e provocou a criação da Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (GEO RIO), responsável pelas ações de contenção de encostas.

Deslizamentos de 1967 na Rua Belizário Távora e Cardoso Junior em Laranjeiras

A década de 80, mais precisamente no ano de 1983 mais um verão chuvoso provoca o estrago evitável: novamente em Santa Teresa na Rua Navarro, a encosta do Morro da Coroa, atingiu dois prédios e no Morro do Pavão Pavãozinho (Cantagalo), um escorregamento de lixo sobre encosta (os lixões nas favelas cariocas era um problema ainda maior nos anos 1980 e criam um material inconsolidado fácil de deslizar quando encharcado) vitimou pessoas e destruiu muitos barracos na comunidade.

1988 é outro ano marcado pelas descargas pluviais concentradas. Muitos pontos no Rio de Janeiro, sobretudo no entorno do Maciço da Tijuca foram atingidos por deslizamentos. Os mais marcantes foram Morro do Borel e Morro da Formiga na Tijuca, Morro Dona Martha em Botafogo e o assustador deslizamento da Clínica Santa Genoveva, novamente em Santa Teresa, onde 21 pessoas que estavam internadas ou trabalhando na clínica foram vitimadas. Ainda sob o mesmo evento, vieram abaixo, a Serra da Misericórdia no Bairro de Madureira, Encostas na Rocinha, dois grandes rastros de avalanche na Vista Chinesa e os deslizamentos da Estrada do soberbo no Alto da Boa Vista.

Figura 116: Morro da Formiga 1988

Morro Dona Marta,1988

Morro do Borel,1988

Deslizamento na Clínica Santa Genoveva em Santa Tereza, 1988

Deslizamento Morro da Vista Chinesa, 1988

Deslizamento no Alto da Boa Vista, casa do antigo morador Underberg (“o conhaque do milagre”)

Vale Encantado, Alto da Boa Vista, 1988

A sensação é que os deslizamentos aumentaram em quantidade com o avanço das décadas, mas uma correção merece ser feita: o que aumentou foi a cidade e assim a construção de novas áreas de risco. Os deslizamentos que ocorriam em áreas não habitadas, não chamavam atenção e não iam para a imprensa, ao passo que, quando ocorrem em áreas habitadas, justificadamente, vão para o noticiário. Logo, se a vitimização de moradores aumenta, aumenta o noticiário e assim a sensação de que mais deslizamentos estão ocorrendo. É o caso da década de 1990, com o evento extremo de 1996, quando a porção central do Maciço da Tijuca e parte do Maciço da Pedra Branca, foram atingidos. A lista foi grande nesse evento: Underberg, assim conhecido, o deslizamento da Rua Joao Batista Serqueira, no Alto da boa Vista, com uma massa de mais de 10.000m3 de solo e rocha deslocada; bem próximo a este, o conjunto de deslizamentos do Vale Encantado; logo a jusante o deslizamento do Sítio Pai João, no Itanhangá, “o acidente deixou, além de danos nas redes de água, luz e telefone, 20 vítimas fatais, 170 famílias desabrigadas, 20 casas destruídas, 25 casas interditadas”; Condomínio residencial Floresta, localizado próximo ao Rio das Pedras, ainda na vertente Oeste; Vales dos Rios Quitite e Papagaio, no bairro do Anil, um dos mais emblemáticos da ocasião, com a destruição de 200 casas, na encosta Oeste do Maciço da Tijuca; Rua Araticum, no Bairro do Anil, mais a jusante na mesma encosta; Rua Capuri e Estrada das Canoas, ambos, no bairro de São Conrado; Morro Dois Irmãos, voltado para a Rocinha, Rua Dionéia, dentro Rocinha e outro voltado para Avenida Niemeyer; Condomínio residencial Eldorado, localizado na Rua Carlos Pace e Estrada do Pau da Fome, no bairro de Jacarepaguá e outro na Estrada da Boiúna, todos esses já no Maciço da Pedra Branca.

Morros do Quitite e Papagaio, 1996

A mudança do milênio nada interferiu na continuidade das chuvas, mas a cidade sim cresceu mais e a forma de habitar da classe trabalhadora, continuou sendo a mesma em direção a encosta dos morros e baixadas alagáveis. Novos locais foram ocupados e mais áreas de risco foram produzidas. Com as chuvas de verão e, por vezes, fechando o verão nos meses de março e abril, as encostas responderam com mais desastres.

Em 2007 e 2009 dois eventos ganharam destaque apesar de suas causalidades não serem diretamente ligadas às chuvas torrenciais: o primeiro foi no emboque do Túnel Rebouças com o destacamento de uma imensa massa de solo residual que interrompeu uma das principais artérias do tráfego carioca, gerando engarrafamentos em toda a cidade; e outra foi o destacamento em tempo seco de blocos de uma antiga pedreira na Rua Gama Lobo em Vila Isabel, onde um condomínio foi construído. Os blocos de rocha se despenderam nos planos de fratura, em queda livre sobre as ruas do condomínio. De leve, algumas casas foram atingidas pelos fragmentos e uma vítima fatal veio a falecer pelo estrondo da queda dos blocos.

Figura 124 Túnel Rebouças, 2007

Porém em 2010, mais um evento de chuva extremo (vale lembrar que eventos extremos fazem parte da curva normal climatológica de nosso regime tropical de pluviosidade) atingiu as vertentes da porção Leste do Maciço da Tijuca, juntamente com a vertente Leste do Maciço da Pedra Branca. Os bairros do Cosme Velho e Santa Teresa foram atingidos, assim como Recreio e Prainha. Vale lembrar que esse mesmo episódio de chuva causou o desastre do Morro do Bumba em Niterói, com mais de 40 mortos em um lixão, criminosamente, urbanizado. Os deslizamentos ocorridos quase que simultaneamente passam de dez, entre os maiores, e mais umas dezenas de pequenas rupturas de solo. Nesse evento estão listados os acidentes do Morro dos Prazeres e Rua Almirante Alexandrino, no Bairro de Santa Teresa, Rua Itapiru, próximo, no Bairro do Catumbi, dois grandes no Largo do Laboriaux, na Rocinha, Comunidade Guararapes, Estrada de Ferro do Corcovado, Ladeira do Ascurra e Rua Itamonte, todos no Bairro do Cosme Velho, Estrada do Rio Jequiá, na Ilha do Governador, Prainha, e Estrada da Grota Funda, já na Serra de Guaratiba, após o Bairro do Recreio.

Morro dos Prazeres, 2010

Deslizamento com queda de blocos na Prainha, 2010

No ano seguinte, em 2011, um imenso bloco para atravessado no meio da Avenida Menezes Cortes (Estrada Grajaú-Jacarepaguá) e fora do município na Região Serrana do Rio de Janeiro ocorre o maior desastre geomorfológico já visto em nossa história, atingindo as cidades de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, registrando o maior número de mortos em catástrofes climáticas.

2019 fecha a década com deslizamentos em eventos climáticos. A primeira ocorrência significativa de chuva em 2019 se deu na noite de uma quarta-feira, 6 de fevereiro, quando foram registrados três deslizamentos importantes: em Barra de Guaratiba, Rocinha e Inhaúma. Segundo a Defesa Civil, os bairros da Rocinha e do Vidigal foram os mais atingidos, com volumes de chuva ultrapassando os 50 mm por hora e precipitação contínua por mais de cinco horas. Nesse episódio, mais um trecho da ciclovia Tim Maia foi comprometido por um deslizamento na Avenida Niemeyer — eixo que conecta São Conrado ao Leblon, na Zona Sul do Rio. Cenário semelhante voltou a se repetir nos dias 8 e 9 de abril, dessa vez com foco no Jardim Botânico. As drenagens da Bacia do Rio dos Macacos não suportaram o volume das águas e transbordaram, provocando alagamentos em diversas residências da região. Na ocasião, a cidade registrou 10 mortes e mais um colapso estrutural na ciclovia Tim Maia. O último evento de chuva extrema daquele ano ocorreu entre a madrugada do dia 16 e a manhã de 17 de maio, quando novo deslizamento voltou a atingir a Avenida Niemeyer, obrigando sua interdição completa para obras de contenção da encosta.

Queda de bloco na Estrada Grajaú – Jacarepaguá

Fechando essa descrição que continuará nos próximos anos, em 2023, novos deslizamentos no Morro da Formiga, na Tijuca, na Zona Norte, e na Rocinha, na Zona Sul.

Esses deslizamentos revelam não apenas as falhas na infraestrutura urbana e no planejamento geotécnico do Rio de Janeiro, mas também as profundas desigualdades sociais que tornam muitas áreas vulneráveis a esses desastres. A falta de políticas públicas eficazes, especialmente em relação ao ordenamento territorial, política de habitação e contenção de encostas, continua sendo um obstáculo para a redução dos riscos de deslizamentos. O documento da GEO Rio destaca que, apesar dos esforços para minimizar os danos e melhorar a infraestrutura, a cidade ainda sofre com a precariedade das condições em muitas áreas, o que torna essencial um novo enfoque na prevenção de desastres, que tem muito pouco de “naturais”.

*estas fotos foram retiradas do documento  D’Orsi et al, 2016 OS 50 MAIORES ACIDENTES GEOLÓGICO-GEOTÉCNICOS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1966 e 2016, Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro, Diretoria de Estudos e Projetos, Gerência de Programas Especiais

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