Okarantĩ

A grande taba de Okarantĩ ficava bem no centro do grande vale da baixada da Guanabara, que liga as baías da Guanabara e Sepetiba, hoje localizado na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Essa aldeia principal dos tupinambás tinha fartura de água e recursos naturais, pois de um lado seu estava o Maciço da Pedra Branca e, do outro, as montanhas de Gericinó, área conhecida atualmente como Serra do Mendanha, bem na parte em que esse vale se estreita. 

As informações dessa localidade nativa da Guanabara constam nas listas de aldeias do viajante francês Jean de Léry, que visitou uma série de comunidades tupinambás no ano de 1557. Léry anotou seus nomes e as localizou de acordo com a margem em que se encontravam, assim como diferenciou aquelas que ficavam no interior, como é o caso de Okarantĩ. Em seu relato, fica evidente que o destino de seu passeio a partir do litoral da Guanabara é justamente para conhecer aquela que era “das maiores e mais povoadas do país”, na qual permaneceu por vários dias.

Folha de rosto da edição original em francês de Viagem à Terra do Brasil, de Jean de Léry

Em relação à composição do nome, a palavra okara (ou ocara) era como chamavam os tupinambás a área aberta entre as malocas das aldeias, o pátio, a praça, o grande terreiro de convivência das festas e rituais tribais; já sobre o sufixo , a hipótese mais provável é que seja uma referência a uma qualidade ou à beleza do local, expressando na sua tonalidade de cor, ting(a) – branco, alvo –, uma característica própria da taba. O termo original de Jean de Léry, Ocarantin, remete a esse significado de maneira mais precisa. Nessa hipótese, teríamos conhecimento de uma a taba do Terreiro Alvo ou do Terreiro Branco, a Ocara Branca. 

Ao visitar esse território e registrar o que viu em seus apontamentos, Léry deixou como adendo à menção do nome da taba um elogio – por sinal, o único comentário elogioso do francês em toda a sua obra –, por ter passado bons momentos ali ou, mais provavelmente, por ter se encantado com a beleza do local. Disse ele que Okarantĩ era um “beau village”; ou seja, uma bela aldeia. Diante de seus olhos, naquele momento estava o esplendor da sociedade tupinambá, as grandes malocas que podiam chegar a 100 metros, dispostas ao redor de uma grande praça. Riachos que corriam à margem da comunidade propiciavam água fresca e locais de banho. Nos arredores, plantações de raízes, milho, amendoim, tabaco, pimenta e frutas como araçá e maracujá. Nos bosques e florestas havia variedade de caças. Caminhos rebaixados na mata por ancestrais os levavam a se conectar com a constelação de outras tabas aparentadas pelo interior e, a partir dessas, com as do litoral. 

Sobre a localização da taba de Okaratĩ, ainda de acordo com Léry, é possível identificar no depoimento do próprio cronista que esta ficava distante cerca de “10 a 12 léguas” para o interior a partir do forte dos franceses na atual ilha de Villegagnon. A légua francesa era equivalente a aproximadamente 4 quilômetros. Outro depoimento de Léry esclarece mais sobre o valor dessa distância naquela época. Ele afirma ser de apenas 2 léguas a distância entre o Forte Coligny e a aldeia de Jabebiracicaque hoje sabemos ter existido na região entre a atual Tijuca e o porto da cidade. Ao fazermos uma estimativa da distância por mar da atual ilha de Villegagnon, onde se encontravam os franceses em 1557, até esta região teremos em torno de 8 quilômetros de trajeto em linha reta. Multiplicando os aproximadamente 4 quilômetros por 10 a 12 léguas francesas nesse período (distância informada por Léry entre a taba de Okarantĩ e o Forte Coligny), a distância estimada entre esses dois locais seria entre 40 e 48 quilômetros.

Mapa de aldeias do interior

Mesmo com esse panorama fragmentado é possível estimar que Okaratĩ tenha sido a maior taba da região mais densamente povoada do recôncavo da Baía de Guanabara. Os tupinambás teriam erguido uma grande taba que tinha vista para todo o vale, habitado por um conjunto de ao menos seis outras aldeias relativamente próximas (Takûarusutyba, Sapopema, Kotyuá, Tantimã, Payó e Sarigué). Os 40 quilômetros de distância descritos pelo cronista francês apontam para a região atual de interseção entre os bairros de Bangu, Santíssimo e Campo Grande. 

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