O caráter discriminatório do futebol e o Industrialismo
No final do século XIX, as feições elitistas do futebol estavam presentes desde os uniformes abotoados, os lenços de seda amarrados, os bigodes minuciosamente aparados, os cabelos penteados mesmo após a partida, as altas mensalidades cobradas aos sócios dos clubes e, em alguns casos, o uso de gravata.
Além disso, nesse tempo, os jogos não tinham o viés competitivo de vencer a qualquer custo. Os sportsmen, como eram chamados esses “atletas”, deviam sempre atuar de forma elegante, demonstrando o espírito esportivo, sendo verdadeiros cavalheiros, disciplinados, leais e refinados, mesmo diante do time rival. Não havia espaço para rivalidades e falta de civilidade, precisavam utilizar o espaço como expressão e consagração do modo de vida burguês clássico europeu.
Era comum que as partidas fossem anunciadas através de convites que incluíssem também bailes e jantares comemorativos que reuniam os dois times. O Fluminense, fundado em 1902, era o retrato desse time aristocrático: sempre entrava em campo de maneira impecável, com jovens jogadores de pele branca e arrumados. Assim, o palco de afirmação de modismos e hábitos europeus estava montado.
Outras equipes que representavam muito bem essa elite que importava os modismos europeus, eram o Botafogo Football Club (1904), o Flamengo – cujo time de futebol foi criado em 1911, a partir de uma cisão no Fluminense – e o América Football Club (1904).
Mesmo com as fortes influências europeias no território e as constantes exclusões de pobres, negros e analfabetos — considerados indignos de usufruir de qualquer aspecto do estilo de vida de sportsman —, havia uma predisposição para o desenvolvimento desse esporte no Brasil.
Assim, mesmo que tivesse caído no gosto da elite, o futebol carioca logo chamou atenção das camadas menos favorecidas, que iniciaram com as conhecidas “peladas” de rua e logo começaram a criar seus próprios times.
Além da participação de segmentos populares que habitavam as zonas norte e oeste da cidade, os segmentos da classe operária foram de decisiva participação, criando inúmeras equipes, os chamados “times operários”. A prática do futebol nas fábricas fez com que as companhias passassem a ser consideradas “celeiros de craques”, tendo suas próprias agremiações recreativas e possuindo em seus times todos os tipos de jogadores.
Por influência da Liga Metropolitana Alberto Silvares e visando criar barreiras na mistura entre ricos e pobres, uma nova divisão foi criada, chamada “série operária” e destinada aos clubes que possuíssem trabalhadores. A proliferação dos clubes suburbanos e operários gerou uma enorme popularização do futebol carioca. Tanto que na década de 1910, o esporte chegou a ultrapassar o remo em popularidade.
Com o decorrer do tempo e com cada vez mais times operários, a realização de campeonatos entre os funcionários de diferentes setores ou entre fábricas aumentou. Embora não fossem times considerados de “primeiro escalão”, ou que ganhassem muitos títulos, tiveram um papel relevante na integração de diferentes segmentos marginalizados no Rio de Janeiro. Como exemplo, temos os times Bangu, Andaraí e Aliança Football Club.