Marcha Contra a Farsa da Abolição
“Será que já raiou a liberdade, ou se foi tudo ilusão? Será que a Lei Áurea tão sonhada, há tanto tempo assinada, não foi o fim da escravidão?”. No carnaval de 1988, o questionamento trazido pelo samba-enredo da Mangueira ecoou pelo Rio de Janeiro. Em 11 de maio daquele ano, dois dias antes da data que marcaria o centenário da abolição da escravatura no Brasil, uma passeata articulada pelo Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN) reuniu milhares de pessoas no Centro.
A Marcha Contra a Farsa da Abolição era um grito contra o racismo, uma defesa das tradições e culturas afro-brasileiras e uma luta pelo direito à memória da população negra. O movimento elegeu Zumbi dos Palmares e a data de sua morte, 20 de novembro, como símbolos históricos da luta do povo negro no Brasil.
O plano era seguir em linha reta pela avenida Presidente Vargas, da Igreja da Candelária até o monumento em homenagem a Zumbi, na praça Onze. Porém, o Comando Militar do Leste mandou alterar o percurso. Os militares alegaram que, durante o protesto, haveria manifestações contra o patrono do Exército, Duque de Caxias, quando os manifestantes passassem em frente ao panteão onde estão seus restos mortais, nas proximidades da Central do Brasil.
Verdade ou não, era fato que, para o movimento negro, Caxias representava mais uma farsa dentre os ícones erigidos pela memória oficial do Estado – como a Princesa Isabel e o próprio 13 de maio. Cerca de 750 soldados mantiveram o ato sob vigilância, com batidas generalizadas, faixas confiscadas e prisões por desacato. Em coro, gritavam os manifestantes: “nós vamos caminhar até onde o racismo deixar”.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Davi Aroeira Kacowicz do Projeto República (UFMG).