Finados: mortos ilustres que irmanam a cidade

Odette Vidal Cardoso, a carioca que ficaria conhecida como Menina Odetinha, viveu apenas nove anos. Nascida em Madureira, filha de portugueses, Odetinha era muito católica e morreu vítima de paratifo, doença infecciosa, depois de padecer 49 dias de sofrimento. Testemunhas dizem que ela repetia: “Eu vos ofereço, ó meu Jesus, todos os meus sofrimentos pelas missões e pelas crianças pobres”. No dia de sua morte ela declarou: “Meu Jesus, meu amor, minha vida, meu tudo”.

Sepultada no Cemitério São João Batista, Odetinha passou a fazer milagres na década de 1970 e começou a ser adorada como a santinha do Cemitério de São João Batista. 

Sepultura de Odetinha, no Cemitério São João Batista, Autor não identificado, s/d.Portal Um/Flickr

Na mesma época em que Odetinha fazia milagres, a estátua do Cristo do Porto das Caixas, em Itaboraí, começou a sangrar e realizar prodígios fabulosos. Jornais noticiavam romarias farofeiras que engarrafavam a recém-inaugurada ponte Rio-Niterói e cruzavam a estrada Niterói-Manilha para reverenciar a imagem. As dezenas de cabeças, braços e pernas de cera, depositadas numa sala em louvor às graças alcançadas, causavam uma mistura de fascínio e temor.

No bairro do Lins de Vasconcelos, um dos celeiros das macumbas da cidade, terra do ogã Tião Casemiro, a voz de ouro dos festivais de umbanda, de tradicionais casas como o Templo Espírita Tupyara (1943) e a Tenda Espírita Ventania (1954), Odetinha dá nome a uma creche municipal. Em 2021, o Papa Franscisco reconheceu as “virtudes heroicas da Serva de Deus Odette Vidal Cardoso, leiga fiel”, como descreve o documento, que a concede o título de venerável. 

Odetinha e o Cristo de Porto das Caixas conviviam muito bem com as excursões de centros de macumba a uma cachoeira em Japeri, perto da estação de trens onde o bando de Tião Medonho assaltou o trem pagador, que passou a ser conhecida como “as cataratas do Iguaçu da macumba”.

Estandarte para Odetinha, na Basílica da Imaculada Conceição, em Botafogo Extraído de https://www.sementesdoverbo.org/noticias/tag/odetinha

Neste balaio fantástico, a venerável menina Odetinha, nascida em Madureira, santificada no cemitério São Joao Batista e reconhecida no Vaticano, nos convida a pensar que a cidade do Rio de Janeiro é chegada ao hábito de ritualizar os afetos pelos seus mortos ilustres.

Se juntam à santinha Odete, nomes com o da cantora Clara Nunes e o do ator Paulo Sérgio. Ambos são verdadeiros fenômenos no que diz respeito as peregrinações a túmulos no Brasil. Enquanto Paulo Sérgio juntou mais de uma centena de milhares de pessoas em seu velório no cemitério do Caju e continua a mobilizar peregrinos no eixo Rio-São Paulo, a cantora foi seguida por dezenas de milhares de pessoas em seu velório na quadra da Portela e é dona de um dos túmulos mais visitados até os dias de hoje no São João Batista, em Botafogo.

Túmulo da cantora Clara Nunes, 2015. Tomaz Silva/Agência Brasil

Já no cemitério de Inhaúma, a romaria é ao túmulo de Taninha, menina assassinada em um dos crimes mais impactantes da história da cidade, em 1960. A criança, aos quatro anos de idade, foi assassinada por Neide, a amante do pai, que passou a ser conhecida como a Fera da Penha. A quadra 21, carneiro 17 do cemitério, ainda hoje é enfeitada com bonecas, uma estátua de São Jorge e placas de agradecimento pelas graças alcançadas.

Os mortos ilustres cidade se avivam irmanados nas memórias, afetos e ritos de sua gente para nos fazer cismar com a ideia de que o milagre é algo extraordinário; como uma espécie de mistério mais íntimo das afeições mundanas.

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