Entre bandas, frequências e locuções
As notícias da manhã, o jornal da tarde, os resumos da semana e as músicas nostálgicas da madrugada. Saídas da voz do locutor, as ondas hertz viajam no espaço; o slogan “Partiu Tupi, corre pra sintonizar” atiça o ouvido. O tom de suspense na voz empostada ganha nova vida: Teatro de mistério, releitura dos suspenses das séries de radiodramaturgia que marcaram as décadas de 1950 a 1970, retorna à programação da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, uma vez por semana. Além disso, todos os dias, a entonação de perguntas tenta fisgar o ouvinte: “Mas por que Aracaju chama Aracaju? E Copacabana?”. Nos estúdios, os selecionadores de conteúdo trabalham garimpando novidades, mas também empreendendo fugazes viagens no tempo.
Num bar descolado à beira-mar, uma jovem pergunta à gerente se pode trocar a trilha sonora. Saca seu celular, pluga na caixa de som e dá play na sua seleção musical, a partir de um serviço de canções por via de streaming. No sofá da sala, um artista de MPB pega o violão e repete um ritual antiquíssimo: dedilha, descontraidamente, uma nova canção. Mas grava a cena com seu próprio celular, e logo a música vai viajar pelas redes sociais. Uma viagem tramada não pela linearidade das ondas do rádio, mas por uma intrincada combinação entre algoritmos, popularidade, acaso. Na plateia, os celulares capturam o momento mais fascinante do show — aqueles dois minutos em que um conjunto de sons encontra a mágica da música que vai chegar aos ouvidos de quem sequer conhecia a banda sobre o palco.
Enquanto isso, no botequim, a caixa de fósforos acompanha o coro que revive uma canção do passado, num ritual inteiramente analógico. Curadorias do passado se enovelam às curadorias do contemporâneo, tramando a gama de sons e de música que, a despeito de qualquer debate sobre indústria fonográfica ou tecnologia, acalenta os ouvidos de quem circula pela cidade.