Do tablado ao palco das ruas

Apresentação no Teatro Municipal – Joseph Haydn

O primeiro sinal toca, o público entra. Os espectadores vão se acomodando. O segundo sinal, ainda compreensivo com os atrasados, dá a deixa de que ainda é possível levantar um pouquinho, quem sabe correr ao toilette antes de o espetáculo começar. Soa o terceiro sinal: a peça vai começar. Todo público de teatro tradicional já conhece bem esse ritual, que combina os avisos sonoros aos tons de luzes que vão baixando, convidando todos ao silêncio.

Foto: Américo Vermelho – Theatro Municipal

Quem frequenta o Theatro Municipal do Rio de Janeiro sabe que a experiência vai ser marcada por essa espécie de preparação, ensaio para uma imersão. Nos segundos de completa escuridão antes de os fagotes, oboés, primeiros e segundos violinos ressoarem, o interior do enorme edifício aguarda na sombra o momento de afirmar sua vocação para o grande espetáculo.

Músico se apresenta em rua do Centro do Rio de Janeiro

Mas a arte também se desdobra fora de edifícios históricos e salas de teatro. Quando a voz e o corpo do artista bastam, a rua é companhia. É no que acredita o grupo Tá na rua, por exemplo. Em atividade há quase 40 anos, seus artistas harmonizam referências tão díspares quanto Shakespeare e orixás, dispensam o tradicional tablado ou aparelhos de ampliação de voz, evocam o improviso e a simplicidade. O cenário é a rua, que atravessa o cortejo com suas sonoridades espontâneas. “A cidade é por si teatral e dramática”, diz Amir Haddad, fundador do grupo. A peça encenada na rua pode ganhar ares de uma festa popular, embalada também por cantos e tambores, como em um carnaval.

Falando em Carnaval, o grupo integrou o desfile Ratos e urubus, larguem minha fantasia, da escola de samba Beija-Flor, cuja polêmica decisão de trazer o Cristo Redentor vestido de mendigo, e que foi vetada pela justiça, marcou o Carnaval de 1989.  Há quem diga que um desfile de escola de samba é também uma espécie de teatro. Implica, afinal, em encenação, narrativa, explosão de sons, cadências. Trinta anos depois de Ratos e urubus, por exemplo, a Beija-Flor dramatizou os problemas sociais do país, trazendo à cena da rua-palco-Sapucaí as mazelas do Brasil, no enredo que foi vencedor do desfile. E, em 2019, a Mangueira arrebatou o público e se sagrou campeã, ao lançar luz, no Sambódromo, às histórias de heróis que a história oficial não conta: mulheres, mulatos e tamoios, Marias, Mahins, Marielles, malês.

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