A luta pela permanência

Passados 80 anos desde que Dona Orosina ergueu seu barraco no morro do Timbau e solicitou a Getúlio Vargas que fosse deixada em paz, livre de ameaças e cobranças de taxas de militares da área, a mobilização comunitária ainda é o maior e melhor instrumento que os moradores têm para conquistar o direito de permanecerem onde moram e estabelecerem melhorias em seu território.

Nas décadas de 1940 e 1950, as casas e vilas de pescadores à beira mar, em Bonsucesso e Ramos, passaram a ser pensadas e tratadas pelo Estado e pela imprensa como favela. A região foi rapidamente ocupada por mais barracos e palafitas, tornando-se alvo das críticas e estigmas direcionados às populações mais pobres.

Palafitas na “Favela da Maré”, 1973. Foto de Alcyr Cavalcanti. Fundo COrreio da Manhã / Arquivo Nacional

Ao longo das primeiras décadas de existência, os moradores das favelas da Maré sofreram persistentes tentativas de despejo e remoção, vivendo com a permanente ameaça de perderem suas casas a qualquer momento. Mesmo a Nova Holanda, construída pelo próprio Estado brasileiro para abrigar removidos de outras favelas, foi nomeada como Centro de Habitação Provisória, enfatizando que a qualquer momento poderia ser extinta. Eliana Sousa Silva, coordenadora da Redes da Maré, lembra que sua primeira gestão na Associação de Moradores da Nova Holanda, no começo da década de 1980, teve como bandeira a urbanização da favela e a conscientização dos moradores sobre seus direitos de permanecerem ali e lutarem para melhorar o local.

Nessas conversas com os moradores, eles traziam o documento que eles tinham recebido na remoção, e a casa caindo aos pedaços. E eles falavam: “a gente não melhora, porque uma hora a gente pode sair daqui, a gente vai gastar o nosso dinheiro”. Então, a minha luta, a coisa que eu tenho mais orgulho, no meu primeiro mandato, foi justamente fazer isso. Fazer com que as pessoas entendessem, acreditassem que a casa era permanente.

Casa na Nova Holanda, anos 1980. Fundo Anthony Leeds – Fiocruz

Mas o esforço coletivo de construir um local de moradia — incluindo casas e ruas — pela mão dos moradores é anterior à ação de Eliana com a Nova Holanda. O Parque União, por exemplo, surgiu no final da década de 1950 por iniciativa de um grupo de ativistas como Antoine de Magarinos Torres — advogado e militante comunista, ligado à luta dos favelados no Rio, pela posse da terra e contra despejos. Tentando evitar que o local tivesse uma imagem estigmatizada de favela — tão comum no período — o grupo batizou o local como “Bairro Desembargador Magarinos Torres”, em homenagem ao pai de Antoine.

A construção de moradias para a população pobre pelas mãos de militantes, alguns deles comunistas, tornou-se alvo de ataques no começo da década de 1960, sob o governo de Carlos Lacerda — um dos mais notórios anticomunistas nos tempos de radicalização política anteriores ao golpe civil-militar de 1964.

Jornal Última Hora, 23 de janeiro de 1962. Hemeroteca Digital – Biblioteca Nacional

Aristênio Gomes, ex-morador do Parque União, em sua monografia do curso de história (UERJ), “A construção do Parque União: as ações coletivas de moradoras e moradores pelo melhoramento e permanência da favela entre 1959 e 1969”, apresentou uma reportagem sobre a mobilização dos moradores na defesa de suas casas, a partir do anúncio de que o governo estadual iria executar a remoção da favela (que a reportagem situou em Ramos):

Morador de Ramos apela por barracos: Mil e quatrocentas famílias residentes no Parque União, em Ramos, foram ontem à Assembléia Legislativa pedir ao Presidente da Casa, Sr. Raul Brunini, que sejam sustadas as demolições dos seus barracos. A Comissão de moradores considera uma violência do executivo a demolição, “já que todos os moradores são trabalhadores honestos, e que construíram seus barracos com muita dificuldade”. (Jornal do Brasil, 20/02/1964)

Durante muito tempo, as pesquisas acadêmicas atribuíram um papel de destaque a Magarinos. Sem desconsiderar a importância do advogado na luta pela posse da terra e pelo direito à moradia, Aristênio destaca o protagonismo dos moradores na defesa de sua própria permanência no local:

Essa resistência não possui uma característica passiva, resistindo apenas em ocupar um local e esperar que as violências e tentativas de remoção cessassem, mas pelo contrário, um tipo de resistência ativa, protestando e buscando garantias pelos meios legais, pressionando as instituições públicas responsáveis. É o que marca a História de permanência da favela do Parque União, evidenciado através de inúmeros protestos reportados por jornais na época. (p. 41)

Margô, moradora do Sem Terra (parte mais nova do Parque União), lembra como se deu a ocupação da área e a luta dos moradores para permanecerem ali:

E aí veio a invasão: “vai invadir Sem-Terra, vai invadir o Sem-Terra”. Aí, eu também corri para a invasão. Fui eu, o presidente da associação, outras pessoas, né. […] Quebrei o muro do Sem-Terra, cavei buraco para passar aqui, marcamos nosso pedaço. Um grupo de 15 mulheres! Cada uma nos seus quadrados, para guardar aquele lugar ali, para quando viesse dar a senha, cada um pegar o seu, receber o seu pedaço de terra. E ali ficamos 21 dias. Deu polícia, deram tiro…

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