23 de abril: “por aqui não tem jeito, todo mundo se encosta”

Somos um povo dado a festa. Tendo como ponto de partida essa premissa, podemos dizer que os nossos santos não seriam diferentes. Se alguém por aí anda pregando o contrário, precisamos rever o caráter dessa santidade. Assombrados ainda por uma espécie de obsessão maniqueísta, grande parte dos moribundos que vagueiam por aqui recorrem a discursos de que o que é sagrado não se mistura com o profano. Negativo. No sincopado cotidiano o que mais se faz presente é o entrelaçamento em que se sacraliza o profano e se profana o sagrado. No Rio de Janeiro, a prova viva disso é São Jorge, o guerreiro que cai no samba e estica o carnaval até o final de abril.

Fiéis seguem a imagem de São Jorge em procissão no Rio de Janeiro, s/d. Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã.

O dia 23 de abril, feriado na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, tem se destacado no calendário da aldeia como uma das principais datas festivas municipais. Por aqui, São Jorge é o cara! Diante de tamanha popularidade, sua celebração não combinaria como uma quermesse minguada. Então, minha gente, pode botar água no feijão porque o fuzuê vem a cavalo. O dia do santo guerreiro é marcado pela alegria, fé, devoção e, principalmente, pela diversidade e pelas contradições que forjam a cidade e seus ritos.

Esses dois elementos, o sagrado e o profano, são marcas das festividades populares no Brasil. Para as pessoas que imaginam, por se tratar do festejo de um santo católico, encontrar traços do que, em tese, se espera de atributos de santidade, a festa de São Jorge apresenta exatamente o contrário. A cidade carnavalizou o santo. O guerreiro, muito parecido com o povo carioca, desce do altar para montar as quadras das escolas de sambas, biroscas, esquinas, feijoadas em quintais, balões, fogos, tiros e mais um bocado de coisas que tecem o trivial do carioca.

E já que o sagrado e o profano se encontram nas encruzilhadas que constituem a cidade, vale lembrar que o dia 23 de abril é também o aniversário de outro santo de rua: Alfredo da Rocha Vianna, o Pixinguinha. Mestre do choro carioca, o menino criado no bairro do Catumbi pegou todas as manhas do saxofone e da flauta tocando nos cabarés da Lapa, em salas de cinema, ranchos carnavalescos, teatros e casas noturnas. 

Radicado no subúrbio da Leopoldina, entre Ramos e Olaria, Pixinguinha incorporou em sua musicalidade os tambores de terreiros, as polcas dos salões, as marchinhas carnavalescas, o jazz norte-americano e os contrapontos de Bach para inventar a grande música do Brasil. 

Morreu dentro de uma igreja na Praça Nossa Senhora da Paz, em um sábado de carnaval de 1973, enquanto aguardava um batizado e escutava as fanfarras da Banda de Ipanema. Foi, ao mesmo tempo, filho da cidade e pai dela. Criador e criatura. Avesso a purismos, desconfiado de essências, filho de Ogum e devoto de São Jorge, é também reverenciado nos altares profanos em que os cariocas louvam as suas santidades mundanas. Enquanto morria no carnaval como santo e orixá, a banda desfilava, no meio da chuva, ao som do Carinhoso. 

Altar enfeitado de vermelho, cor destinada a S. Jorge e a Ogum. Foto: Klaus D. Imagem extraída de: https://jeffcelophane.wordpress.com/2012/04/20/sao-jorge-do-brasil/

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