Folia no cais: os trabalhadores do porto e o Carnaval carioca
Além da festa, o carnaval proporcionava oportunidades de organização operária e os clubes carnavalescos do início do século XX são bons exemplos disso. No caso dos trabalhadores do cais do porto e da zona portuária da cidade – na maioria negros e demais marginalizados da sociedade – as organizações carnavalescas contribuíram para que muitos se reconhecessem como parte de um mesmo grupo social. As formas de associação de trabalhadores eram muitas e as identidades sociais variadas, mas isso não impedia a existência de uma identidade de classe comum e compartilhável. Nesse sentido, o grupo que mais se destacou foi o dos estivadores do porto, que souberam utilizar as organizações recreativas como forma de resistência em uma cidade excludente.
De dentro das organizações carnavalescas, saíram inúmeros sambistas que exerciam o ofício de estivador e adquiriram prestígio e renome musical. Eles eram operários e utilizavam o trabalho para garantir legitimidade social. No início do século XX, não ter um emprego era passível de penalização na justiça, já que o Código Penal de 1890 previa a prisão de 15 a 30 dias para os que cometiam “crime de vadiagem”. Desse modo, ter um trabalho fixo, mais do que garantir o sustento da família era uma forma de garantir a segurança frente às forças policiais do Estado, que perseguiam os mais pobres e marginalizados. As associações carnavalescas eram um respiro nesse contexto de exclusão e repressão.
Ainda assim, os ranchos, clubes e cordões organizados pela população negra da zona portuária eram vistos com suspeita pelas forças policiais e administrativas da cidade. Sempre julgados por sua condição social e muitas vezes caracterizados como “vadios”, “desordeiros” ou “criminosos”, os trabalhadores do porto sofreram com uma série de reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro, que obrigou muitos deles – até então moradores da região central – a se deslocarem para os subúrbios. Entretanto, isso não pôs fim às formas de recreação existentes, ao contrário, permitiu a criação de novos vínculos associativos e de resistência nesse novo espaço geográfico da cidade.