Presidente João Goulart discursa em palanque ao lado do ministro Darcy Ribeiro e da primeira-dama Maria Tereza Goulart
13 de março de 1964
Danilo Araujo Marques
Às 20h46 de 13 de março de 1964, João Goulart tomou a palavra no palanque montado na praça da Central do Brasil. Ansiosa, a multidão aguardava o discurso do presidente da República. Mas os dias que antecederam o ato público foram marcados por uma ansiedade de outro tipo. Ameaças de atentado chegaram ao Palácio, mencionando possíveis tiros ou bombas durante o comício. Mesmo visivelmente apreensiva, a primeira-dama Maria Thereza decidiu permanecer ao lado do marido. Enquanto, à esquerda de Jango, o sindicalista Oswaldo Pacheco fazia as vezes de escudo humano.
Ciente da importância do momento, João Goulart optou por falar de improviso. Durante uma hora e cinco minutos, manteve a linha de raciocínio, bebeu dois copos d’água e passou o lenço no rosto 35 vezes. O esforço físico e emocional era intenso. As palavras escolhidas serviriam como uma declaração pública de intenções do seu governo.
E resolveu partir para o ataque: “A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia do antipovo, a democracia antirreformas”, declarou Jango, denunciando o que chamava de “terror ideológico” usado por aqueles que tentaram impedir o comício. Chegou até mesmo a defender a necessidade de revisar a Constituição, sob o argumento de que ela não mais atendia aos anseios do povo.
Apesar da atmosfera carregada, houve momentos de leveza. Em certo ponto do discurso, Jango conseguiu arrancar um largo sorriso de Maria Thereza. Também suavizou o semblante fechado do ministro da Casa Civil Darcy Ribeiro – que aproveitava as pausas no discurso para sussurrar observações e frases feitas ao pé do ouvido de Goulart. Mas o presidente não hesitou em abordar temas polêmicos. Falou da encampação das refinarias particulares, da reforma universitária que eliminaria as cátedras vitalícias, e da reforma eleitoral que permitiria o voto aos analfabetos. Também teve coragem para dar destaque ao tema da reforma agrária. “Sei das reações que nos esperam”, admitiu, “mas estou tranquilo, acima de tudo porque sei que o povo brasileiro já está amadurecido, já tem consciência de sua força e de sua unidade, e não faltará com o seu apoio às medidas de sentido popular e nacionalista.”
Uma onda de euforia tomou conta da multidão formada por 200 mil pessoas. O Comício das Reformas ficou marcado como um dos momentos mais expressivos daquele governo. Mas significou também um ponto sem volta no processo de crise política que, em poucos dias, resultaria no golpe e na deposição de João Goulart da Presidência da República.
Rio de Janeiro, 13 de março de 1964. Fotógrafo desconhecido. Acervo da Fundação Darcy Ribeiro



