Os coretos do subúrbio
Ana Clara Tavares
Criados na Europa, os coretos chegaram ao Rio de Janeiro em finais do século XIX e início do XX. Instaladas em praças públicas, essas construções – geralmente circulares, favorecendo a visão de qualquer ângulo – foram, durante muito tempo, locais de apresentações artísticas e espetáculos abertos à população. Os primeiros coretos da cidade foram o da Praça XV e o da Vista Chinesa, no Parque Nacional da Tijuca, ambos construídos em 1903.
Nos subúrbios, os coretos chegaram nos anos 1950 e, além dos diversos eventos públicos, se tornaram especialmente importantes nos períodos de carnaval, graças à criação da tradição de decorá-los durante os festejos.
Os coretos carnavalescos, como ficaram conhecidos, se tornaram importantes alegorias do carnaval suburbano . Além das construções arquitetônicas decoradas para abrigar as bandas, comissões julgadoras ou foliões, tornou-se comum, também, a criação de estruturas de madeira independentes, construídas e ornamentadas justamente para este fim.
Patrocinados pelos comerciantes locais, a decoração dos coretos era símbolo de rivalidade entre os bairros do subúrbio carioca, que disputavam concursos em que eram avaliadas a criatividade e a imponência de cada coreto. A disputa ressaltava, ainda, o poder econômico e organizacional do comércio de cada bairro, considerando que quanto mais ornamentado e luxuoso fosse um coreto, mais abastados seriam os comerciantes que o patrocinavam.
Um dos mais famosos coretos do subúrbio era o do Largo de Madureira (av. Ministro Edgard Romero), que atraía grande quantidade de pessoas para ver o espetáculo decorativo carnavalesco. Mas no carnaval de 1964, apesar dos esforços de Carlos Potengy – responsável pela construção –, para criar um coreto vencedor – ele tinha a intenção de utilizar cerca de 25.000 lâmpadas para iluminar a obra –, o coreto de Madureira não foi instalado. A falta de financiamento por parte da Associação Comercial do bairro impediu sua instalação e, até mesmo, a ornamentação das praças e ruas.
Os moradores de Madureira, desapontados com a ausência do coreto carnavalesco, realizaram o “enterro do carnaval” na segunda-feira seguinte, com direito a coroa de flores, velas, caixão e cortejo fúnebre pelas ruas do bairro, em protesto pela não realização dos tradicionais festejos.
Os bairros de Marechal Hermes, Bangu, Irajá, Jacarepaguá, Campinho, Engenho de Dentro, Cascadura, Praça Onze, dentre outros, tiveram seus coretos instalados e o concurso foi realizado normalmente. Quem levou o título do ano foi o coreto do Largo da Freguesia, em Jacarepaguá. O tema, produzido por Arnaldo Rodrigues, foi “miss universo” e o coreto contou com um globo giratório e iluminado, além da imagem de Ieda Maria Vargas — primeira brasileira a conquistar o título de Miss Universo — no topo da estrutura.
No horizonte, tempos difíceis se delineavam. Mas a população carioca não deixou de “bagunçar os coretos”, como se espera em um carnaval.
No ano anterior, Potengy havia idealizado o coreto de Irajá, em homenagem às Forças Armadas – o coreto Sentinelas da Democracia. 14 de fevereiro de 1963. Fundo Correio da Manhã / Arquivo Nacional
Coreto do largo do Campinho (Madureira) no carnaval de 1959. 12 de fevereiro de 1959. Fundo Correio da Manhã / Arquivo Nacional
Em 1963, o coreto de Madureira reproduziu um navio (galera). 24 de fevereiro de 1963. Fundo Correio da Manhã / Arquivo Nacional
“Madureira fez enterro do carnaval”. Jornal Diário de Notícias, 14 de fevereiro de 1964. Hemeroteca Digital / Biblioteca Nacional
“Madureira revoltou-se contra polícia e comércio: fracasso”. A Luta Democrática: um jornal de luta feito por homens que lutam pelos que não podem lutar, 13 de fevereiro de 1964. Rio de Janeiro. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
Coreto de Vaz Lobo: uma réplica de base de foguete. 19 de fevereiro de 1966. Fotógrafo: Manoel. Fundo Correio da Manhã / Arquivo Nacional
Coreto de Madureira para o carnaval de 1967. 04 de fevereiro de 1967. Fundo Correio da Manhã / Arquivo Nacional