Álvaro Camara de Pádua
Já era noite quando Jango se preparava, no Palácio das Laranjeiras, para ir ao Automóvel Clube, na Cinelândia, onde faria um discurso a um público de 20 mil pessoas, em comemoração ao 40º aniversário da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar. Ainda no Palácio, Abelardo Jurema, Ministro da Justiça, e o deputado Tancredo Neves tentaram dissuadi-lo de comparecer ao evento, em razão da crise que se delineava entre o Governo e as Forças Armadas.
O jornalista Jânio de Freitas conta que: “Samuel Wainer e João Etcheverry, foram ao Palácio Laranjeiras, para repassar o discurso preparado e acompanhá-lo ao clube. Encontraram um Jango abatido, muito nervoso, relutava em ir. Samuel deu a Jango um produto estimulante, uma das chamadas bolinhas, de que era consumidor habitual. O remédio funcionou. Foi um Jango mais do que animado que saiu do Laranjeiras. O efeito animador da primeira bolinha levou à ingestão de mais uma, no carro. E Jango, dotado de boa intimidade com os efeitos do whisky, não tinha o menor preparo para a mistura de álcool e bolinhas.”
Goulart, conhecido por seus gestos comedidos, muitas vezes abandonou o discurso escrito para a incluir frases cada vez mais fortes, bradando agressivamente que: “A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos”. Além de defender as reformas de base, Jango afirmou que “a disciplina se constrói sobre o respeito mútuo, entre os que comandam e os que são comandados”. Ao fim do discurso, o senador Amaral Peixoto, ex-oficial da Marinha e um dos mais respeitados caciques do Congresso – que ouvia tudo de seu apartamento – sentenciou: “O Jango não é mais presidente da República”.
