Bacias da Baixada de Jacarepaguá
As bacias hidrográficas da Baixada de Jacarepaguá configuram um dos mais extensos e complexos sistemas de drenagem da cidade do Rio de Janeiro. Encaixadas entre os contrafortes do Maciço da Tijuca, a Leste, e o extenso Maciço da Pedra Branca, a oeste, essas bacias desenham uma ampla planície costeira moldada ao longo do tempo por processos fluviais e marinhos — onde rios, lagoas e canais se entrelaçam numa rede delicada de água e sedimento.
Do Maciço da Tijuca, especialmente de suas vertentes norte e oeste, escorrem rios importantes, desde a Floresta da Tijuca aos bairros da Freguesia e Anil, até a Gardênia Azul. Os três rios: Olho D’água, Fortaleza e Ciganos se somam para a drenagem do rio Sangrador em uma única calha que coleta as drenagens que descem da face norte do Pico da Tijuca. Destaque para a represa dos Ciganos, aí instalada para abastecimento da cidade. Logo na vertente oeste do Maciço da Tijuca, descendo do Bico do Papagaio, os rios do Cantagalo, Quitite e Papagaio, seguem sequencialmente encachoeirados até o contato com a baixada sedimentar. Todos esses rios apresentam suas nascentes sob áreas protegidas do Parque Nacional da Tijuca, garantindo fontes puras e cristalinas. Novamente, ao atingirem as baixadas urbanizadas nos bairros citados, os rios são canalizados e poluídos e chegam pelos canais principais do Anil e Arroio Fundo até a Lagoa da Tijuca. Este mesmo corpo lagunar recebe para jusante o rio da Pedras, com uma reconhecida comunidade em sua foz, o pequeno rio Muzema e o importante rio Cachoeira, este vindo pelo eixo principal do Maciço da Tijuca que desce encachoeirado, beirando a Estrada de Furnas. O rio Cachoeira merece maiores comentários por conter as duas maiores quedas d’água do Maciço da Tijuca, a Cascatinha Taunay no coração do Parque Nacional da Tijuca e a Cachoeira Grande da Tijuca, antes área de recreação e balneabilidade, hoje poluída, nas proximidades da Furnas de Agassiz, um antigo atrativo geológico da Floresta da Tijuca, hoje pouco explorado pela gestão pública.

Cachoeira da Baronesa, na Floresta da Tijuca (PNT- ICMBio), Rio Cachoeira
Todas essas drenagens não escapam ao mesmo padrão, imposto pelas fraturas, falhas e planos de fraqueza do embasamento geológico, drenando água dos aquíferos fissurais que ampliam o volume de água para jusante até chegarem à planície. Esta, por sua vez, densamente urbanizada e pavimentada, sofre frequentemente com problemas de enchentes.
Do lado oposto, no Maciço da Pedra Branca, originam-se uma série de rios vigorosos, de nascentes altas em encostas abruptas, que descem em sequências de cachoeiras, corredeiras e pequenas quedas d’água os ambientes, também, de florestas protegidas pelo Parque Estadual da pedra Branca. São eles: o rio Grande e o Arroio Pavuna, coletando as águas da vertente leste do Maciço da Pedra Branca.
Mais para sudeste, tem destaque a bacia do Rio do Camorim. Confinado em um vale suspenso, seu percurso reflete a resistência das rochas e a alta declividade, criando uma passagem fluvial estreita que foi aproveitada para a criação de um reservatório. Esta represa, tem importância histórica e ecológica, já tendo abastecido engenhos coloniais e até hoje é usado como fonte de abastecimento na região do Camorim e Vargem Pequena.
Tais rios escorrem por vales profundos e abastecem diretamente a lagoa de Jacarepaguá e sua conexão com a lagoa da Tijuca, formando o complexo lagunar da Baixada de Jacarepaguá, que se somam aos sistemas de brejos de Curicica e, mais a frente, apenas pelo lençol freático com a lagoa de Marapendi. Nessa transição da serra para a planície, observa-se uma mudança no regime fluvial: das corredeiras e cachoeiras do trecho montanhoso para os meandros, pântanos e alagados da baixada, onde a drenagem se torna mais lenta e influenciada pelo nível alto do lençol freático e da maré.
A planície da Baixada de Jacarepaguá é, portanto, o produto do encontro entre a energia dos maciços serranos e o ambiente marinho-lagunar da planície litorânea. Essa planície se formou por sedimentação de origem fluvial e marinha, criando terrenos baixos, mal drenados, ricos em matéria orgânica e muito sensíveis à impermeabilização provocada pela urbanização recente.

Cachoeira no Rio Camorim, logo abaixo da represa do Camorim
A vertente sul do Maciço da Pedra Branca reúne uma das mais caudalosas redes de drenagem da região, formando um expressivo sistema de alagados, conhecido pelos nomes dos bairros das Vargens, Grande e Pequena. Como toponímia remanescente de sua funcionalidade hidrológica, o que se espera é, sem dúvida, extensas planícies alagáveis, com sistemas de brejos e antigas matas paludosas, das quais restam raros exemplares.
As vargens se expressam no sopé do maciço que reúne rios que descem em forma de sequenciais cachoeiras de águas cristalinas sob ambiente florestal. Desde o rio Sacarrão ao Cabungui e Morgado, as drenagens somam-se para a alimentação do Canal do rio Morto, desenhado em linha reta até o mar pelas obras do DNOS (antigo Departamento Nacional de Obras de Saneamento) no início do século XX. Aliás, toda a vargem é recortada por uma sequência de canais retilíneos que aproveitam para coletar os fluxos vindos do alinhamento da Serra de Guaratiba, até o Vale do Rio Piabas.

Canal de Sernambetiba que drena artificialmente a Vargem Grande

Foz do Canal de Sernambetiba
As cachoeiras que descem dos maciços, antes centrais na vida cotidiana e no imaginário local — lugares de banho, de descanso e de conexão com a floresta —, hoje resistem como refúgios ecológicos dentro dos limites do Parque da Pedra Branca e de áreas protegidas do entorno. São marcas d’água da geografia profunda da cidade, carregando memórias vivas de territórios que passaram pela escravidão, carvoarias e agricultura.
Com a expansão urbana acelerada nas últimas décadas, muitos dos rios foram canalizados ou retificados, alterando radicalmente o funcionamento hidrológico da região. Reclamar das enchentes nessa região será a tônica das reportagens do futuro.

Cordão arenoso da Barra da Tijuca, densamente ocupado após os anos 1980 em um belo entardecer.