Dengue, Zika e Chikungunya
Quando foi descrito cientificamente pela primeira vez, em 1762, ninguém imaginava que o Aedes aegypti – pequeno mosquito de origem africana – se tornaria mundialmente conhecido como um dos maiores vetores de transmissão de doenças em regiões tropicais e subtropicais.
O primeiro passo nesse processo de globalização foi dado ainda no século XVI com as grandes navegações. E como não poderia deixar de ser, o Rio de Janeiro entrou na rota do pernilongo e foi acometida com surtos de febre amarela – doença transmitida pelo Aedes aegypti – entre os séculos XIX e XX.
Já no final do século XX, na década de 1980, o Rio conheceu a face epidêmica de mais uma doença disseminada pelo mosquito: a dengue. Entre 1986 e 1991, a nova praga foi notificada 113 mil vezes na cidade do Rio de Janeiro. Inicialmente confundida com febre tifoide, a epidemia provocava sintomas já bem conhecidos dos cariocas: febre alta, dores musculares e manchas na pele, com uma duração média de 7 a 10 dias. Na época, os cariocas mais velhos apelidaram o pernilongo transmissor de “Lacerdinha”: além de clara alusão ao ex-governador da Guanabara, o nome havia se popularizado nos anos 1960, quando as ruas do Rio foram infestadas por um mosquito de outra espécie.
As campanhas de combate ao vetor envolviam a passagem do “fumacê” pelas ruas e a eliminação de criadouros espalhados pela cidade: entulhos, caixas-d’água abertas, calhas, pneus velhos… De vasos de planta a piscinas abandonadas, tudo que acumulasse água merecia atenção. Principalmente no verão, quando as temperaturas são mais elevadas e tornam o ambiente ainda mais propício para o desenvolvimento do mosquito.
A prevenção mostrou resultados mas nunca chegou a eliminar definitivamente o Aedes aegypti. Enquanto isso, o vírus transmitido pela picada do mosquito se aprimorou: ainda nos anos 1990, a população acompanhou, assustada, o surgimento da variante hemorrágica da dengue, mais agressiva e letal. Dali para frente, o Rio de Janeiro – um dos principais focos da dengue no Brasil – passou a conviver com quatro sorotipos do vírus. Se por um lado não há diferença na gravidade entre os tipos da doença, a contaminação reincidente por variantes distintas do vírus leva ao agravamento dos sintomas.
E, a cada novo verão carioca, vinha a desanimadora perspectiva de um recorde epidêmico. Destaque para os anos 1986, 1991, 2002, 2008, 2011, 2012 e 2013. Em 2002, por exemplo, foram contados 146 mil casos de dengue – cerca de 2% da população daquele ano. Mais recentemente, entre o fim de 2023 e início de 2024, uma nova explosão de casos fez os hospitais cariocas ficarem lotados. A cidade chegou a registrar 2,6 mil pacientes infectados por dia, e ao longo das doze semanas epidêmicas, foram registradas ao menos cinco mortes. O Rio viu ressurgir os tipo 3 e 4 da doença, que não eram registrados há 5 e 15 anos, respectivamente.
A novidade (e esperança) ficou por conta da vacina contra a dengue, aprovada pela Anvisa em março de 2023 e incluída no Programa Nacional de Imunização (PNI) em janeiro de 2024. Com isso, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a oferecer a vacinação contra a dengue no sistema público de saúde
Se a dengue não fosse razão suficiente para o controle do Aedes aegypti, partir de 2015 outras duas doenças transmitidas pela picada do mosquito entraram no radar dos cariocas: o zika e a chikungunya. O zika é um vírus da mesma família da dengue foi descoberto em 1947, em Uganda; já o segundo foi identificado pela primeira vez na Tanzânia, em 1952. Apesar de apresentarem quase os mesmos sintomas da dengue – com quadro clínico leve e baixo índice de letalidade –, logo se percebeu que as infecções pelo zika vírus estavam associadas ao desenvolvimento de complicações neurológicas, como a síndrome de Guillan-Barré – doença autoimune que gera fraqueza muscular progressiva. Além disso, o vírus da zika acabou se tornando temido por outra triste consequência: gestantes infectadas passaram a apresentar alta probabilidade na formação de fetos com microcefalia.
No auge da epidemia de 2016, o Rio se preparava para sediar a 31ª edição das Olimpíadas. Em meio à expectativa de alta circulação de turistas pela cidade, um grupo de mais de 100 médicos e cientistas internacionais enviaram carta aberta à Organização Mundial da Saúde (OMS) solicitando o adiamento ou cancelamento dos Jogos. Em questão de dias, diziam eles, a epidemia de zika poderia se tornar uma grave pandemia. Na época, a OMS não viu motivos para adiar ou cancelar o evento mas, em nota, reforçou a recomendação de que mulheres grávidas não viessem para o Rio.
Os Jogos Olímpicos de 2016 aconteceram e, de fato, o Rio não se tornou um celeiro exportador de moléstias tropicais. Contudo, os surtos de dengue, zika e chikungunya acabaram entrando para o cotidiano da cidade. Entre 2018 e 2019, por exemplo, a prefeitura do Rio registrou um aumento de 298% nos casos de chikungunya. A disseminação do Aedes aegypti tornou-se tão certa quanto o verão carioca.
Diante disso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) passou a conduzir no Brasil as atividades da World Mosquito Program (WMP), uma iniciativa internacional que reúne 11 países em torno de operações que visam mitigar a transmissão dos tais “arbovírus” (vírus transmitidos por mosquitos). E o método desenvolvido pelo programa acabou ficando conhecido como “Aedes aegypti do bem”. Trata-se de inocular no bicho um microrganismo intracelular chamado Wolbachia, que impede o desenvolvimento dos vírus da dengue, da zika, da chikungunya e da febre amarela. Depois que os mosquitos com Wolbachia são liberados no ambiente, eles se reproduzem com os demais e ajudam a criar uma geração livre de vírus.
E parece que a iniciativa tem surtido efeito. Entre março de 2019 e junho de 2020, a prefeitura do Rio registrou uma queda quase 90% no número de casos de chikungunya, zika e dengue. De qualquer forma, todo cuidado é pouco. Apesar da modernização dos recursos profiláticos, segue no horizonte o risco de novas epidemias transmitidas pelo Aedes. Por isso, a boa e velha eliminação de focos de reprodução do mosquito ainda é a prevenção mais eficaz: #NãoDeixeAguaParada #CombateAedes.
Este texto foi elaborado pelo pesquisador Danilo Marques do Projeto República (UFMG).