Catástrofes anunciadas: eu sou você amanhã
A Praça da Bandeira, localizada na foz do Rio Maracanã, na Zona Norte, e os bairros da Zona Oeste, como Guaratiba, são exemplos claros de como as enchentes no Rio de Janeiro se repetem ao longo dos anos, afetando áreas vulneráveis de maneira similar. Na Praça da Bandeira, a proximidade do Rio Maracanã e o baixo nível do terreno contribuem para alagamentos recorrentes nas ruas ao redor, sempre que ocorrem chuvas intensas. Em Guaratiba, na Zona Oeste, a situação é igualmente preocupante. A região, marcada por áreas de drenagem natural e pela ocupação em terrenos de várzea, sofre com alagamentos durante períodos de chuvas fortes. A ausência de um sistema eficaz de drenagem, combinada com o crescimento ordenado da cidade, faz com que essas áreas se tornem vulneráveis, com os moradores enfrentando os mesmos problemas a cada temporada de chuvas. Esse padrão de inundações nas duas regiões ilustra como a cidade repete o padrão de ocupação desde que se entendeu como mercadoria da especulação imobiliária e não local de viver.
Estamos sim, construindo novas “Praças da Bandeira” em direção à área de expansão da Cidade. Poderíamos até considerar que no final do século XIX e início do século XX, não se sabia, ou não se tinha a previsão de que a cidade cresceria como cresceu, porém no final do século XX e início do XXI repetir o mesmo padrão de ocupação? É burrice ou cinismo. Já sabemos que encostas deslizam e baixadas inundam em áreas de maciços montanhosos cercados de baixada sob clima tropical. Portanto, saber ocupar tal sítio urbano é imprescindível. Fingir que não se sabe disso e que somos vítimas de condições climáticas é análogo a afirmar que um japonês não sabe que vai ter terremoto nas suas cidades, ou um Islandês, não saber que ocorrerão erupções vulcânicas ou um suíço se surpreender com uma avalanche de neve alpina. Cinismo e ganho disfarçado. Uma cidade que dá problemas é também uma cidade que gera grandes contratos para obras.

Foz do rio Piraquê – Cabuçu, no bairro da Pedra de Guaratiba. De um lado o apicum (formação integrante dos ambientes de mangues – planícies de maré) preservado na Reserva Biológica de Guaratiba (REBIO – ICMBio) e do outro, o mesmo ambiente sendo urbanizado. Não precisam muitas elaborações para entender a dinâmica de enchentes presente nesses bairros. As elevações ao fundo são do Maciço da Pedra Branca e ainda, sumindo no último plano, a silhueta do Maciço da Tijuca.
A ocupação, ordenada pelo capital, das encostas e áreas de baixada no Rio de Janeiro tem sido um problema crônico, com consequências catastróficas já amplamente anunciadas ao longo das décadas. O crescimento, especialmente nas encostas dos morros e nas regiões de baixada, em direção a Oeste, como na grande Jacarepaguá, Vargens, Guaratiba e Santa Cruz, anunciam as próximas catástrofes. Não se trata de “se” vai ocorrer alguma tragédia, mas sim de “quando”. Nesses locais, a construção de áreas de risco, sem planejamento adequado e com infraestrutura precária, resulta em deslizamentos de terra e alagamentos, que se repetem como uma espécie de ciclo vicioso. A falta de drenagem eficiente, a impermeabilização do solo e a construção em áreas suscetíveis a desastres continua sendo a tônica desse cenário. A expansão acelerada, provocam com a crescente pressão da ocupação, modificações no relevo e aterros sobre brejos e alagadiços para viabilizar construções. Essa constante expansão cria uma verdadeira armadilha para os moradores, que estão cada vez mais expostos aos eventos de deslizamentos e enchentes. A urbanização nessas áreas, em vez de ser um avanço, tem se mostrado um retrocesso, criando condições para desastres anunciados, cujas previsões não param de serem feitas pelos especialistas do tema. E novamente, esse padrão não é desordenado, como a imprensa insiste em rotular. Ele é, sim, ordenado e muito consciente de seu processo.
As novas “praças de inundação” poderão ser vistas nos novos condomínios das Vargens Grande e Pequena e Recreio dos Bandeirantes, onde sucessivos aterros espremem a área dos últimos remanescentes do ecossistema de brejo no município do Rio de Janeiro. Curicica e Nova Barra, também são excelentes palcos de futuras inundações. Em Guaratiba, a “bem-sucedida” área de inundação Jardim Maravilha já se apresenta como uma dessas praças. Nem será do futuro, já é no presente. Ao sul de Jardim Maravilha, alguns bairros novos já apontam essa tendência e seu crescimento futuro garantirá inundações, como o famoso “Terreno do Papa” , onde é prevista construções de bairros e shoppings centers, o entorno da Estrada da Capoeira Grande, onde pelas beiradas já começam os bairros do Rio Piraquê, Mato Alto, próximo a Estação do BRT de mesmo nome e o futuro Autódromo Parque de Guaratiba. Não restam dúvidas que, sob um cenário de tendência, essas serão áreas inundáveis em um futuro próximo.

Baixada de Guaratiba e os avanços da urbanização sobre os solos moles e alagáveis

Os ambientes alagáveis na baixada de Guaratiba, cortados pela Avenida das Américas. O contraste entre as áreas protegidas pela REBIO Guaratiba (ICMBio) e ao fundo no sopé da Serra as ocupações da Ilha de Guaratiba.
Para Santa Cruz e Sepetiba, os bairros de Balneário Globo I e Balneário Globo II, Dumas e Loteamento Madean, já podem entrar na lista dos locais de inundações futuras. A baixada à beira da Baía de Sepetiba é claramente um sistema de alagados, brejos e mangues, que manterá sua funcionalidade hidrológica e terá seu quadro agravado com a pavimentação crescente.
Por fim, ao longo da Avenida João XXIII, em direção ao Distrito Industrial de Santa Cruz, os novos bairros ali criados estão sobrepondo as áreas de solo orgânico que são formações típicas de regiões brejosas, desde o canal do Rio Guandu e a Serra da Paciência. Da mesma forma, outra área agrícola de baixada que vem sendo pavimentada, substituída pelos loteamentos crescentes, é o sopé do Maciço do Mendanha, ao longo da Estrada Guandu do Sena. Como o conjunto Nossa Senhora das Graças e a expansão de casas pela Estrada do Pedregoso, os loteamentos e a pavimentação já começam a apontar as tendências da ocupação local, substituindo a atividade agrícola pela especulação de lotes e terrenos.
A ocupação das últimas décadas na Zona Oeste reflete o quadro de expansão da fronteira imobiliária que mantém o mesmo pensamento urbanístico, espacializado no padrão de ocupação periférico e especulativo. E assim, não atentos e fingindo soberba, vamos em frente nesse modelo de urbanização, construindo novas catástrofes a cada dia.