Que Maravilha de Porto!

A região portuária do Rio de Janeiro, desde os tempos coloniais, tem sido um ponto de transformação urbana e econômica, essencial para o desenvolvimento da cidade. Durante o período colonial, a área ao redor do porto, era marcada por pequenas enseadas, arcos de praia, brejos, gamboas e lagunas. Os ecossistemas associados da Mata Atlântica, como mangues, restingas e brejos compunham essa paisagem, dividindo a paisagem com a vegetação típica dos costões rochosos à beira do mar e a floresta atlântica nas encostas e topos dos pequenos morros e ilhas desse litoral. O processo de colonização europeia, claramente vinculado aos territórios marítimos e ao transporte de mercadorias coloniais para a metrópole, vinculadas às grandes navegações precisavam encontrar águas abrigadas para as embarcações e esse litoral se encaixava nesses requisitos. Além de praias de águas calmas, o importante acesso às terras agriculturas das grandes baixadas da zona norte carioca, definiram a localização da área portuária. Por ali, conectavam a terra dos engenhos de açúcar que dominavam as planícies a norte de todo o Maciço da Tijuca, onde estavam o Engenho Velho da Tijuca, o Engenho Novo, o Engenho de Dentro e da Rainha, até a baixada de Jacarepaguá, no Sertão Carioca, com seus onze engenhos. 

A crescente importância do Rio de Janeiro como um polo comercial e, posteriormente, como capital do Império, impulsionou uma série de obras de aterro e urbanização ao longo dos séculos XIX e XX. O processo de aterro da região portuária começou no século XIX, com a construção da Praça Mauá e a formação de espaços para o comércio de mercadorias provenientes de toda a terra explorada. A partir da segunda metade do século XIX, com a intensificação da atividade portuária e o crescimento da cidade, os manguezais, lagunas e brejos foram aterrados e a ocupação densa foi apoiando a crescente e infraestrutura portuária. O projeto de expansão do Porto do Rio, desde o governo imperial de Dom Pedro II, se intensificou no início do século XX, quando os aterros se tornaram mais ousados, permitindo a construção de grandes armazéns, cais e a instalação de novos espaços urbanos ao longo da baía.

Aterros da baixada do Rio Maracanã, Saco de São Diogo a São Cristóvão marcam a primeira grande transformação da região portuária em seu avanço até a ponta do Caju, na porção extrema esquerda da foto, e, depois, Saco de Inhaúma, já fora da foto

Com o crescimento do comércio internacional e o aumento das atividades, a zona portuária construiu e transformou o centro da cidade. A ampliação do Porto do Rio de Janeiro, ao longo do século XX, foi marcada por uma série de projetos de infraestrutura e engenharia e essa transformação física, no entanto, foi acompanhada de mudanças profundas nas dinâmicas sociais e econômicas da cidade, com o aumento da população de trabalhadores que passou a se concentrar nas áreas próximas ao porto, criando uma zona de intensa urbanização popular.

A cada pulso econômico vivido, seja pelo comércio internacional ou pela própria dinâmica de disponibilidade de capital na cidade do Rio de Janeiro, outro pulso de urbanização se concretiza e modifica a região portuária. Novas fases de aterro, avanços sobre o mar, expansão de berços para navios maiores na área portuária ou expansão em seu retroporto influenciaram diretamente o Centro da cidade, já que a região é imediatamente contígua e sofre direto impacto de suas atividades. As transformações vão além das mudanças físicas, espalhando-se em rede pelo tecido urbano em fluxos imateriais de transformação das relações sociais ou no próprio valor dos imóveis próximos às obras de transformação. 

A partir dos anos 2000, a região portuária do Rio de Janeiro passou por uma nova transformação com o projeto Porto Maravilha, que visava “revitalizar” e modernizar toda a área, focando não apenas na infraestrutura portuária, mas também na criação de um ambiente urbano mais acessível e funcional para os cidadãos. O projeto Porto Maravilha, lançado oficialmente em 2010, envolveu um vasto processo de recuperação e remodelação da área portuária, incluindo o aterro e urbanização de áreas adjacentes ao cais, além de um grande esforço para revitalizar o espaço público e construir novos centros comerciais e culturais. O projeto também buscou integrar melhor a região com o resto da cidade, conectando a área do Centro Histórico à Zona Portuária, além de criar novos espaços de convivência e lazer, como o Museu do Amanhã e a criação do Boulevard Olímpico.

O Porto Maravilha, portanto, é a continuidade de um longo processo de transformação da região portuária do Rio de Janeiro, que começou com os primeiros aterros e a construção de infraestrutura no período colonial e se estende até os dias atuais, com o discurso de modernização do centro urbano, turístico e comercial. Assim, o aterro da região portuária foi expressão do crescimento e a evolução da cidade, moldando tanto sua paisagem quanto suas dinâmicas econômicas e sociais ao longo dos séculos, criando efeitos em consonância com a capitalização do espaço.

O projeto Porto Maravilha, dessa forma, gerou, em conjunto, um processo de gentrificação na região portuária, que, embora tenha trazido modernização e revitalização para a área, resultou na expulsão de populações de baixa renda que tradicionalmente habitavam o local, repetindo os pulsos de “revitalização” que sempre fizeram parte dos discursos de modernização e crescimento da cidade. A valorização imobiliária impulsionada pelo projeto atraiu grandes investimentos privados, com a construção de condomínios de luxo, hotéis, prédios de empresa e centros comerciais. Com isso, os preços dos imóveis dispararam, tornando difícil a permanência das famílias mais humildes que, até então, ocupavam áreas remanescentes dos territórios da chamada “Pequena África” como a Pedra do Sal e os Morros da Conceição e da Providência, bairros históricos da cidade. A especulação imobiliária intensificada por essas mudanças levou a uma reconfiguração social da região, com a substituição de moradores tradicionais por um público de maior poder aquisitivo, alterando profundamente a composição demográfica e social do bairro. Embora a área tenha se tornado mais moderna e acessível, o processo de gentrificação também gerou um impacto social negativo, com o deslocamento de comunidades e o aumento das desigualdades urbanas.

Porto Maravilha. A textura das construções demonstra cada capítulo da ocupação e as fases de aterro e transformação imobiliária.

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