Chacinas no Rio

Em 05/10/1988, celebrávamos a promulgação da nossa Constituição, conhecida como “Constituição Cidadã” e considerada uma das mais avançadas do mundo no tocante aos direitos e garantias fundamentais. Dois anos depois, em 26/7/1990, lamentávamos a morte de 11 jovens, sendo 7 menores de idade, da favela do Acari. Eles foram sequestrados de um sítio em Magé e assassinados por um grupo de policiais. Os corpos nunca foram encontrados, o caso prescreveu em 2010 e nenhum acusado foi responsabilizado pelos crimes.

Começava ali uma longa lista de chacinas na região metropolitana do Rio, perpetradas por agentes do estado (fora de serviço) ou autorizadas pelo estado (as chamadas operações policiais) com milhares de vidas subtraídas de forma brutal por forças policiais civis e militares. É verdade que muitos policiais morreram, mas mataram muito mais do que morreram. Em 2021, essa relação foi de 1 policial morto para cada 21 vítimas civis.  

Fonte: https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Chacinas_no_Rio_de_Janeiro

De acordo com o relatório Chacinas Policiais, produzido pelo  GENI/UFF – 2022, entre 2007 e 2021, foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na região metropolitana do Rio, das quais 593 terminaram em chacinas, com 2.374 mortos.

E o que diz a nossa “Constituição Cidadã”? Em seu artigo 5º está disposto que todos são iguais perante a lei, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Determina que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem; e que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador;   

Mas no dia 21/07/2022, 32 anos depois da Chacina de Acari e talvez pela milésima vez na história do Rio[1], todas estas disposições constitucionais foram descumpridas em mais uma operação policial no Morro do Alemão. Segundo a rede de notícias Deutsche Welle:

“…Moradores da favela acusaram policiais de atacarem civis e invadirem residências, fazendo batidas policiais e levando objetos pessoais em meio a intenso tiroteio.

Após a operação, moradores foram vistos agrupando pessoas feridas na parte de trás de veículos para levarem ao hospital, enquanto a polícia assistia. Gilberto Santiago Lopes, da Anacrim, disse que a polícia se recusava a ajudar. “Tivemos que carregá-los em um carrinho de bebidas e depois pedir a um morador local para levá-los em seu carro ao hospital”, ele disse. “[A polícia] não visa prendê-los, eles visam matá-los, então se eles estão feridos, pensam que não merecem ajuda.[2]

A pena de morte é explicitamente vedada no inciso XLVII do Art. 5o[3]. A pena máxima de reclusão é de 40 anos, após o devido processo legal que, em geral, leva muitos anos, passa por várias instâncias e juízes, advogados e juris se debruçam demoradamente pelos autos antes de decidir.

Mas no dia 21/07/2022, a pena de morte, vedada na constituição brasileira, foi aplicada 18 vezes no Complexo do Alemão. 400 policiais civis e militares fortemente armados e apoiados por helicópteros invadiram o Complexo atirando para matar. E mataram, mataram 18 pessoas e 1 policial.

Segundo a polícia, dos 19 mortos, 9 tinham “apontamentos criminais”, 5 eram “suspeitos” sem apontamentos e 3 não eram suspeitos.

A constituição veda juízo ou tribunal de exceção e determina que ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente nem será privado da liberdade sem o devido processo legal; aos acusados são assegurados o contraditório e ampla defesa e garante que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória[1].

Mas no dia 21/07/2022, o que se viu foi o desrespeito à constituição e a violação dos direitos humanos. Todos foram sentenciados por autoridades não competentes, sem o contraditório e nem ampla defesa, não houve sentença penal condenatória transitada em julgado porque não houve sequer julgamento. A pena de morte foi sumariamente aplicada por policiais armados e em situação de risco e grande vulnerabilidade.

Há uma exceção prevista na constituição para a pena de morte, em caso de guerra[2].

Então estamos em guerra. Mas a agressão não é estrangeira, os inimigos estão em território nacional. É uma guerra fratricida em que o Estado mata aqueles que deveria defender e deixa que seus agentes morram.

Em 2021, a polícia matou 1.356 pessoas na região metropolitana do Rio[3], um aumento de 9 % em relação a 2020, e 64 policiais morreram em serviço, um aumento de 45% em relação a 2020.

Um saldo assustador, contrário ao pretendido, com uma escalada de mortes, aumento do tráfico de drogas, armamentos e violência. Uma política de combate às drogas ineficaz e que vai de encontro aos direitos fundamentais.

Segundo o porta-voz da polícia civil, a ação tinha como alvo uma quadrilha de roubo de veículos. Durante a coletiva, o subsecretário operacional, Ronaldo Oliveira, disse que preferia que “eles não tivessem reagido” e que a polícia tivesse “prendido os 15 ou 14”.[4]

Será que para combater o roubo de veículos o melhor a fazer é invadir uma favela e matar 18 pessoas? Vejam o resultado da ação:

Resultado pífio: 4 presos, 7 armas e 48 motos apreendidas. Desastre absoluto não mencionado:  19 mortos, 18 civis e 1 militar.

Além de cara e ineficaz – se chacinas tivessem um resultado efetivo, o Rio seria uma cidade modelo – é absurdamente racista, os números são contundentes:

Em 2021, das 1.356 mortes por ações policiais: 99 % das vítimas eram homens, 84 % negros e 74 % com menos de 30 anos.  Alguma dúvida sobre o alvo?

Precisamos repensar as nossas escolhas políticas, os nossos alvos. Enquanto se discute se um homem branco, condenado por um crime de colarinho branco deve ir para a prisão depois da decisão em 2a instância ou depois de sentença transitada em julgado, milhares de jovens negos são mortos sem qualquer processo legal. Transferimos a decisão de aplicação de uma pena que nem está prevista na constituição para um policial despreparado, pessimamente remunerado, que não recebe treinamento adequado, muitas vezes em condições psicológicas complexas.

É preciso mudar, mudar radicalmente a política de segurança. É preciso parar, parar de matar nossos jovens negros. Se não, onde vamos parar?

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