Cunhambebe

Líder indígena mais importante da nossa história pré-colonial, Cunhambebe é tido como o mais aguerrido no combate à dominação portuguesa de toda a costa e liderava os tupinambás desde o Cabo Frio até Bertioga, na década de 1550. Sua principal aldeia ficava às margens do rio Ariró, em Angra dos Reis. Hoje em dia, essa região é um distrito de Angra, e o local leva o seu nome. Destemido, Cunhambebe comandava um grupo de fortes guerreiros que assombrou os portugueses de São Vicente por mais de dez anos. Uma paliçada, construída pelos lusos para impedir a passagem das canoas tupinambás pelo canal de Bertioga em 1547, foi destruída por Cunhambebe em 1551. Ele se vangloriava de já ter vencido os portugueses inúmeras vezes e dizia ter livrado muitos dos seus da escravidão.  

Existem pelo menos três suposições sobre o significado de como era chamado. A mais aceita é que Cunhambebe seria a junção de kunhã (mulher) e mbeb (forma nasalizada de peb + a); achatada. Kunhambeba seria um homem com “peitos achatados de mulher”, ou melhor, um homem enorme com um tórax bastante avantajado. Os pesquisadores em geral concluem que a alcunha fazia referência a seu porte físico e principalmente a seu peito musculoso. O que condiz com a descrição feita pelo francês André Thevet, que o encontrou no Rio de Janeiro “robusto, de membros fortes, com uns 2 metros de altura, e o mais ousado, cruel e temido por todos”.

Cunhambebe era também um morubixaba-uaçu – em tempos de guerra, ele era o líder maioral. Isso fica claro nos relatos deixados por Hans Staden no ano de 1554. Staden era o canhoneiro do Forte de Bertioga e foi capturado por um grupo de tupinambás de Ubatuba. Tratado como um troféu de guerra, o alemão foi levado a Cunhambebe na aldeia do rio Ariró.

Lá ele se deparou com 15 cabeças de indígenas maracajás, aliados dos portugueses, espetadas em paus na entrada da aldeia. Hans Staden entrou na principal maloca e logo reconheceu quem era Cunhambebe. Ele tinha uma pedra verde no lábio inferior e portava um enorme rosário de conchas com várias voltas em torno do pescoço. Foi o próprio Cunhambebe que mandou os indígenas de Ubatuba levar Hans Staden até ele para que pudesse perguntar sobre os planos de seus inimigos – portugueses e tupiniquins. Em certo momento, indaga se os lusos o temiam, no que Hans Staden responde: “Sim, eles falam muito de ti e das grandes guerras que tu lhes costumas fazer; mas agora fortificam melhor Bertioga”. Nesse momento, Cunhambebe revela, assim como Aimberê, que também já havia sido capturado pelos portugueses. Fato que devia ser uma das razões para sua revolta. “Queria de vez em quando capturá-los, como me tinham capturado no mato.”

Menino com beiço furado

Um ano após essa passagem, outra fonte relataria mais informações sobre esse lendário guerreiro tupinambá. O frade francês André Thevet contou detalhes da reunião que aconteceu entre Cunhambebe e Villegaignon, no Rio de Janeiro. Logo após a chegada dos franceses na Guanabara, em 1555, um mensageiro foi enviado para avisar ao morubixaba-uaçu de Angra dos Reis, e Cunhambebe foi pessoalmente ao Rio de Janeiro para encontrar o comandante francês. 

O relato do franciscano Thevet possibilita inferir a excitação daquele líder tupinambá com a chegada de grande número de possíveis aliados. Segundo o frade, Cunhambebe “já desde as três horas da manhã punha-se a falar de suas vitórias e vinganças contra seus inimigos, sempre acompanhando as palavras com gestos de ameaças”. Thevet também escreve baseado nas informações do próprio Cunhambebe que sua aldeia era “enorme, toda fortificada ao derredor com bastiões de plataformas de guerra, possuindo até bocas-de-fogo (canhões) e alguns falconetes tomados aos portugueses”.

Villegaignon concedeu uma audiência a Cunhambebe, mostrando-se disposto em relação a ele, como os demais da comitiva. Em seu discurso para impressionar os aliados franceses, Cunhambebe disse que havia matado e devorado tantos portugueses e indígenas inimigos “que seu número chegou a cinco mil”. Continuou a demonstrar aos normandos quem ele era: “Graças a meus feitos heróicos recebi o título de maior morubixaba que jamais existiu entre nós”, “meus inimigos jamais conseguiram atacar-me”, “sou grande, sou poderoso, sou forte” e “livrei muita gente das garras de meus inimigos”. Ele sabia o quanto era importante para a luta contra os portugueses o apoio dos franceses. Passou a perguntar sobre as crenças deles e a imitar os europeus quando rezaram. 

Cunhambebe (escrito aqui com a grafia Quoniambec), por Ulisses Aldorvandi. Houghton Library
(domínio público)

Segundo Thevet, Cunhambebe ficou entre eles por 18 dias na Guanabara, tempo que pode ter sido crucial para o seu fim. Assim que  dezenas de franceses desembarcaram nas praias da baía para começar a colonização da terra em poucos dias, rebentou uma grave epidemia entre os nativos. Sem anticorpos para as doenças trazidas dos portos europeus, os tupinambás viram-se numa situação de calamidade. O número de mortos nessa tragédia é impossível de ser mensurado. André Thevet escreveu mais tarde que teriam morrido mais de 8 mil indígenas. Outra testemunha do desespero tupinambá com tamanha mortalidade sem precedentes, Nicolas Barré indica um número de vítimas dez vezes menor. Datada de 25 de maio de 1556, a carta de Barré diz que oitocentos nativos pereceram naquela epidemia, sendo que o piloto de Villegaignon provavelmente tinha contato apenas com algumas tabas do litoral. De qualquer maneira, eram muitos os mortos, e a situação foi tão grave a ponto de ter contribuído sensivelmente para a diminuição dos efetivos tupinambás na Guanabara. 

Nos meses seguintes, Thevet indica que “não se encontrava mais pessoas entre eles que pudesse cortar o pau-brasil e transportá-lo aos navios” e que a “maioria dos morubixabas morreu desta peste”. Nessa tragédia tupinambá, nem mesmo o saudável e corpulento Cunhambebe conseguiu resistir. Segundo Thevet, a principal liderança dos guerreiros do Rio de Janeiro voltou doente a Angra dos Reis, onde veio a falecer, no ano de 1556.

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