Trago a pessoa amada em 3 dias”: sorte, azar, jogo e as apostas da vida cigana

É pouco conhecida a relevância dos ciganos na história do Brasil, desde o período colonial, quando membros do grupo Calon fugiram de Portugal para escapar do Santo Ofício da Inquisição e chegaram ao Maranhão. No Rio de Janeiro, capital da colônia a partir de 1763, os ciganos se estabeleceram entre o Campo de Santana, o Valongo e o Campo dos Ciganos (atual Praça Tiradentes). Ali eles liam a sina nas linhas das mãos, eram ferreiros, latoeiros e ourives, trabalhavam no mercado de escravizados, comercializavam cavalos e atuavam também como oficiais de justiça, os chamados meirinhos. Foram estigmatizados como supersticiosos, ladrões de crianças, golpistas e ladravazes. Ao mesmo tempo, povoam o nosso imaginário como amantes da liberdade, místicos, sabedores dos secretos da magia.

Alvará providenciando a regulamentação da vida e empregos dos ciganos no Brasil (detalhe), 1761. Fundação Biblioteca Nacional

Enquanto diversos povos reivindicam o pertencimento à terra como elemento constituidor da identidade, os ciganos reivindicam o contrário: a liberdade de saber que o território cigano é uma barraca velha que pode ser armada em qualquer lugar. O país do cigano, diz um dito tradicional, é o próprio corpo. Quando a Praça Onze foi destruída para a abertura da avenida Presidente Vargas, a comunidade cigana da região deslocou-se para outras áreas da cidade, especialmente para a região do subúrbio da Leopoldina.

Acampamento Cigano, O Cruzeiro, 1971/edição 0016. Fundação Biblioteca Nacional

Se a cidade baila entre suas ruas, vielas e esquinas como corpo dotado de um organismo social e cultural complexo qual destino estaria gravado na palma de sua mão? Nas terras dos tupinambás encruzadas por assombrações, santidades e místicas que atravessaram o oceano aspectos como jogo, sorte e azar são cartas importantes do nosso baralho. Dessa maneira, em nosso imaginário e cotidianos corre a máxima de que a sorte de uns se ata como o azar do outro ou que na estrada no amor a virtude do jogo não faz moradia. 

Bem que eu te avisei para não jogar essa cartada comigo… sendo a vida também jogo, carruagem sem paradeiro certo, fogo aceso sob a luz da lua há de se costurar a sorte como a mais bela roupa a ser vestida. Se o amor bandeou por outra estrada a aposta é que não tardará e ele há de voltar a bater em minha porta. Sendo o corpo em liberdade a casa dos ciganos, as linhas da vida sempre irão de se cruzar a outras. 

Extraída de: https://flickr.com/photos/imagemcompartilhada/512401154/in/photostream/

No Rio de Janeiro a vida cigana se faz presente também como destino. É comum que muitos terreiros de umbanda evoquem entidades da chamada “linha do Oriente”, com a presença de espíritos de ciganos, e façam festas no dia de Santa Sara, com fogueiras, danças, comidas e bebidas. Do antigo Campo dos Ciganos ao Morro de São Carlos, nos arredores da Cidade Nova, do subúrbio da Leopoldina a pedra do Arpoador, da dor de amor ao bilhete premiado. Nessa cidade a aposta é que o brilho do ouro esteja orne nossos sorrisos para espantar a má sorte.

Frame do filme Na estrada com “ciganos” – novas formas de sujeitos e representações “ciganas” na esfera pública do Rio de Janeiro. Direção: Cleiton Machado Maia

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