Querida infância

Ouça um trecho da carta narrada por sua autora Camilly.

Rio de Janeiro, 10 de maio de 2021.

Querida infância,

Escrevo-te dada a necessidade que tenho de desabafar a respeito de saudade e, mediante tantas coisas, de que teria eu mais saudades senão de ti? Conheço o alto nível de intimidade que compartilhamos, porém, prefiro falar-te formalmente devido à grande estima que possuo por ti. Sabemos que passei por ti não faz muito tempo, logo, tenho em mente grande parte de nossas aventuras.

Foste a companhia mais pura, inocente, divertida e realista que já tive. Certo dia me perguntei como conseguiste me fazer tão bem apesar da realidade em que vivi e entendi que sua essência independe das condições de vida de alguém. Certo é que alguns se mostram mais propícios do que outros a aproveitar cada detalhe do que tu ofereces, mas, isso não colocarei em pauta. Minha declaração é: sinto tua falta! Sinto falta da coragem única que só você me oferecia, da destimidez, pois falava o que de fato pensava, quando me angustiava, logo me fazias esquecer e sorrir como se nada houvesse acontecido.

Há coisas que falo ou faço atualmente e são vistas como irresponsabilidade, mas com você, era apenas inocência. Pergunto-me em que momento me abandonaste? Em que momento tudo se tornou tão sério? E minha saudade se intensifica quando sinto tua essência. Sim, essa que plantaste em mim. No entanto já não me cabe vivê-la, pois subir nas árvores dos vizinhos escondida tonou-se crime, brincar na rua se tornou sinônimo de imaturidade. A preocupação com o tempo vai além da hora de entrar e tomar banho. Os joelhos machucados não significam mais que o dia foi bom. A coragem de falar agora é indecência, a audácia se tornou inconsequência… Enfim, nada como a vida que um dia você me apresentou.

Outro dia ouvi dizer que tu estás sendo infligida pela tecnologia, mas quero assegurar-te que tu, minha cara, és insubstituível. Só quem viveu a infância é capaz de concordar que ela nunca será substituída pela tecnologia.

Sei que nunca mais tornaremos a nos ver, mas, viver contigo foi uma experiência surreal.

Agradecida pela atenção! Beijos.

Camilly Santos

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